ATENA-HEROÍNA NOS DIAS ATUAIS – A JORNADA DO ARQUÉTIPO E O COMPORTAMENTO FEMININO FRENTE AOS DESAFIOS DO MERCADO DE TRABALHO

 

Spec. Erica Cristina Machado de Melo[1]

Prof. M. Sc. Rickardo Léo Ramos Gomes[2]

https://orcid.org/0000-0001-6101-9571

 

RESUMO

Através de gerações até chegarmos ao Século XXI, as mulheres parecem viver uma luta contra si mesmas, assumindo comportamentos e papéis que custaram sua conexão com o feminino em sua essência, construindo suas carreiras ao mesmo tempo em que são engolidas pelas demandas do dia a dia nas organizações de trabalho e no ambiente doméstico. O objetivo geral deste artigo é mostrar a construção do arquétipo feminino da deusa Atena, cada vez mais presente na psique das mulheres do século XXI. Para tanto, adotou-se, dentro de uma abordagem qualitativa, uma base bibliográfica constituída de autores consagrados que estudaram a fundo o feminino e o seu comportamento diante dos desafios da liderança em um mundo corporativo masculino. Ao final esta pesquisa defende que todas as mulheres possam não serem dominadas por apenas uma deusa e nem confundidas pelo convívio de todas, posto que cada ser humano, independente da sua sexualidade, tem uma vida própria específica, ou seja, única. Defende-se, ainda, que todas as mulheres, a partir da integração, da vivência e do conhecimento do mito, devem ser reconhecidas enquanto trabalhadoras multifacetadas, fortalecidas, protegidas e abençoadas em sua jornada de convivência e de conhecimento.

Palavras-chave: Arquétipo Feminino, Trabalhadoras Multifacetadas, Liderança, Carreiras, Comportamento Feminino.

Tesauro de la UNESCO: Pertenece al grupo: Política, derecho y economía y Gestión de personal; RC: Estatus profesional y Participación de los trabajadores; NC: Trabajadora y trabajadora especializada.
 
ATENAS-HEROÍNA EN LA ACTUALIDAD - EL VIAJE DEL ARQUETIPO Y EL COMPORTAMIENTO FEMENINO ANTE LOS DESAFÍOS DEL MERCADO LABORAL
RESUMEN
A través de generaciones, hasta llegar al siglo XXI, las mujeres parecen vivir una lucha contra sí mismas, asumiendo comportamientos y roles que les restan conexión con lo femenino en su esencia, construyendo sus carreras siendo tragadas por las exigencias de la vida cotidiana. en las organizaciones de trabajo y el entorno doméstico. El objetivo general de este artículo es mostrar la construcción del arquetipo femenino de la diosa Atenea, cada vez más presente en la psiquis de las mujeres del siglo XXI. Para ello, se adoptó una base bibliográfica conformada por reconocidas autoras que han estudiado en profundidad a la mujer y su comportamiento frente a los desafíos del liderazgo en un mundo empresarial masculino, con un enfoque cualitativo. Al final, esta investigación argumenta que todas las mujeres no pueden estar dominadas por una sola diosa y no confundirse con la coexistencia de todas, ya que cada ser humano, independientemente de su sexualidad, tiene una vida específica, es decir, única. También se argumenta que todas las mujeres, desde la integración, la experiencia y el conocimiento del mito, deben ser reconocidas como trabajadoras multifacéticas, fortalecidas, protegidas y bendecidas en su camino de convivencia y conocimiento.
Palabras clave: Arquetipo Femenino, Trabajadores Polifacéticos, Liderazgo, Carreras, Comportamiento Femenino.
 

ATHENA-HEROINE IN THE CURRENT DAYS - THE JOURNEY OF THE ARCHETYPE AND FEMALE BEHAVIOR IN FRONT OF THE CHALLENGES OF THE LABOR MARKET

 

ABSTRACT

Through generations, until we reach the 21st century, women seem to live a struggle against themselves, assuming behaviors and roles that cost their connection with the feminine in their essence, building their careers while being swallowed by the demands of everyday life. in work organizations and the home environment. The general objective of this article is to show the construction of the female archetype of the goddess Athena, increasingly present in the psyche of women in the 21st century. To this end, a bibliographical base consisting of renowned authors who have studied women in depth and their behavior in the face of leadership challenges in a male corporate world was adopted, with a qualitative approach. In the end, this research argues that all women may not be dominated by just one goddess and not confused by the coexistence of all, since each human being, regardless of their sexuality, has a specific life, that is, unique. It is also argued that all women, from the myth's integration, experience, and knowledge, should be recognized as multifaceted workers, strengthened, protected, and blessed in their journey of coexistence and knowledge.

Keywords: Feminine Archetype, Multifaceted Workers, Leadership, Careers, Feminine Behavior.

 

INTRODUÇÃO

Não há dúvidas de que tem sido através do trabalho que as mulheres vêm diminuindo a distância que as separam ainda hoje dos homens (Beauvoir, 2019a). Distância esta imposta através de séculos de uma cultura de subordinação. Para entendermos o comportamento desta mulher nos dias de hoje, utilizamos vasta pesquisa bibliográfica, tomando por base autores consagrados no estudo do feminino e de artigos científicos recentes sobre o tema.

O presente trabalho tem a intenção de mostrar a construção do arquétipo feminino da deusa Atena cada vez mais presente na psique das mulheres do século XXI, regidas pela sabedoria, pela realização profissional, mas que vem perdendo, aos poucos, sua conexão mais básica: a conexão com si mesma, seu feminino. Os objetivos específicos desta pesquisa são os seguintes: apresentar noções básicas sobre matriarcado e patriarcado; discorrer sobre o mito de Atena e sua origem; comentar sobre o arquétipo de Atena; ressaltar a situação da mulher enquanto Atena dos dias de hoje.

Este artigo foi organizado em quatro tópicos. No primeiro apresentou-se a introdução com destaque especial para os objetivos da pesquisa. No segundo desenvolveu-se uma fundamentação teórica alicerçada pelas contribuições de vários autores que tratam da mesma temática. O terceiro tópico foi reservado para explicar a metodologia adotada na elaboração deste estudo bibliográfico e, por fim, elaborou-se as considerações finais apontando posicionamentos e fazendo sugestões sobre o tema em tela.

METODOLOGIA

O presente trabalho seguiu uma abordagem qualitativa de caráter exploratório e descritivo. O procedimento metodológico empregado foi o da pesquisa bibliográfica com base histórica e contemporânea. (Huhne, 1999)

Para González (2020, p. 02) quando se fala de abordagem qualitativa,

[...] se faz referência a uma ampla gama de perspectivas, modalidades, abordagens, metodologias,  desenhos e técnicas utilizadas no planejamento, condução e avaliação de estudos, indagações ou investigações interessadas em descrever, interpretar, compreender, entender ou superar situações sociais  ou  educacionais consideradas problemáticas pelos atores sociais que são seus protagonistas ou que, por alguma razão, eles têm interesse em abordar tais situações num sentido investigativo.

Com relação à pesquisa bibliográfica apresenta-se a opinião de Sousa, Oliveira e Alves (2021, p. 02): “A pesquisa bibliográfica está inserida principalmente no meio acadêmico e tem a finalidade de aprimoramento e atualização do conhecimento, através de uma investigação científica de obras já publicadas”.

Foram analisadas várias contribuições culturais e científicas relacionadas com o assunto em questão. Desta maneira procurou-se selecionar e analisar várias obras de autores diferentes, dos quais destacam-se Bolen (2003), Beauvoir (2019a e 2019b), Woolger e Woolger (2021) Homero (2021a e 2021b) e Murdock (2022).

Assim, os posicionamentos tomados no decorrer deste artigo, auxiliados pelos posicionamentos dos autores consultados serviram de referencial para aumentar o conhecimento dos pesquisadores para que novas tomadas de posição surgissem durante o desenvolvimento do artigo em tela. (Huhne, 1999)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesse tópico promoveu-se uma discussão entre os autores deste artigo e os autores que tratam da mesma temática investigada procurando fundamentar as ideias aqui discutidas.

Noções Básicas sobre Matriarcado e Patriarcado

Podemos dizer que a extinção do matriarcado tem início há pelo menos 6000 anos (Campbell, 2021). Entendendo o termo supracitado não como uma questão de domínio do feminino sobre o masculino ou até mesmo de Deuses sobre Deusas, mas sim como um poder espiritual e cocriador onde a Grande Mãe também era parte importante e que possuía o Poder Gerador e Nutridor. Mas que com o atravessar dos séculos foi sendo então substituído por um poder único, uma divindade máxima – um Pai. (Campbell, 2021)

O patriarcado que em grego significa “a regra do pai”, de acordo com Fergunson (1999, p. 01), passou a dominar a nossa cultura ocidental e a Grécia com sua filosofia e mitologia politeísta teve uma importante influência na formação do que Jung chamava de inconsciente coletivo.

Hertogue (1992, p.195), trabalhadora social jubilada, da Family Welfare Association chama atenção para

Otro descubrimiento de Jung, que puede ser útil conocer en orden al Trabajo Social, es la existencia, en lo más profundo del inconsciente de un hombre, de un elemento femenino; y, en el inconsciente de una mujer, de un elemento masculino. Son lo que se llama el «ánima» del hombre y el «animus» de la mujer.

Emma Jung em seu livro Annimus e Annima traz uma definição a partir de Jung (2020, p. 15) que nos ajuda a entender melhor esta estrutura inconsciente como sendo conteúdos: “Possibilidades herdadas do funcionamento psíquico, ou seja, da estrutura cerebral herdada. Estes são contextos mitológicos, os motivos e as imagens que podem surgir de novo a qualquer momento e em toda parte sem tradição histórica ou migração”.

A partir de então o que foi visto foi uma separação e uma submissão do feminino em detrimento de uma supervalorização de uma cultura de valores androcêntricos. Estes valores geraram séculos de opressão às mulheres. Na verdade, uma situação de exclusão. Simone de Beauvoir (2019a, p.14) explica esta visão: “Descobrimos na própria consciência uma hostilidade fundamental em relação a qualquer outra consciência: o sujeito se põe em se opondo: ele pretende afirmar-se como essencial e fazer do outro inessencial, o objeto”.

   E, apesar dos avanços desde a Segunda Onda feminista capitaneada por Simone de Beauvoir, as mulheres ainda estão sub-representadas no sentido de ocuparem um espaço mais equânime como lideranças na sociedade, na religião, na política e como não poderia deixar de ser, principalmente no mercado de trabalho. Mesmo diante de um ambiente ainda hostil, elas empunharam suas armas em forma de diplomas, MBAs, mestrados, doutorados e hoje ocupam cargos de liderança tanto corporativos quanto políticos e, até mesmo, militares.

Neste meio, é fácil reconhecer o arquétipo de uma mulher guerreira, que sabe ocupar seu lugar, usando de muita estratégia, praticidade e inteligência. Elas estão à frente das universidades, são empresárias de sucesso, CEOs de empresas de tecnologia, são Presidentes de países desenvolvidos e Primeiras-Ministras na Europa.  E este arquétipo que as identifica como guerreiras, que trabalham lado a lado com os homens seja nos negócios, seja na política, nas instituições de ensino ou na família, podemos dizer que é a deusa Atena, a conhecida pelos gregos como a companheira dos heróis. (Homero, 2021a)

O Arquétipo de Atena, porém, não costuma ser muito bem visto pelas feministas mais aguerridas por um motivo muito simples: Atena é a filha do pai. Estas mulheres se voltam para a realização através do trabalho. Seus mentores, segundo Maureen Murdock (2022, p. 26), são normalmente: “homens ou mulheres identificadas com o masculino e que validem sua capacidade intelectual, seu propósito e sua ambição, trazendo a sensação de segurança, direção e sucesso”.

 Porém é inegável o fato de que as mulheres para alcançarem postos mais altos e darem conta das tarefas do dia a dia, acabaram por se distanciarem emocionalmente da figura materna, aquela que um dia já foi chamada de A Grande Mãe.

Aquela que gera, que aceita, que nutre, que acolhe e protege. Ao se distanciar desta mãe, por exatamente não querer mais ser como ela, essa mulher precisa provar constantemente que é competente, independente e autossuficiente. Para isto ela veste sua armadura, municia-se de seu escudo, lança e elmo. E se cobra a perfeição. Afinal, Atena nunca perdeu uma batalha sequer.

Segundo Emma Jung (2020, p.09),

Atravessamos uma crise aguda, com um questionamento crescente sobre o que é ser homem e o que é ser mulher, sobre desempenho de papéis e função social. Tabus e limites são diariamente rompidos por alguns segmentos da sociedade, enquanto outros se aferram a padrões medievais. Nesse crescimento acelerado, tona-se imprescindível que nos reportemos às nossas raízes a fim de mantermos o eixo da consciência com a natureza.

 Essa é jornada da deusa-heroína em busca da volta para casa, integrando sua própria voz em uma sociedade que há séculos é feita por homens e para homens.

O Mito de Atena e Sua Origem

Atena é a deusa de muitas habilidades, também conhecida como Pallas Athena. Ela era filha de Zeus. Deus supremo do Olimpo e uma de suas esposas, Métis. A história da união de Zeus com sua primeira esposa Métis (Astúcia) confunde-se com o fim da chamada Titanomaquia - a luta travada entre os Titãs e Deuses (filhos de Crono), que, mais tarde, seriam conhecidos como Olímpicos – em referência ao Monte Olimpo, de onde eles passariam a governar todas as criaturas da Terra.

Zeus sai vitorioso desta guerra e divide todo o reino entre seus irmãos: Hades fica com o mundo dos mortos, Poseidon reina sobre todos os mares, Zeus assume o papel como autoridade suprema, Deus do trovão, do céu e senhor do Universo, assumindo o papel de Grande Pai (Hesíodo, 1995). E neste ponto é que o período do fim Matriarcado tem seu início e demarca o protagonismo do Deus Pai em detrimento da Grande Mãe e do papel feminino. (Campbell, 2021)

Mas nem sempre foi assim. Gaia, a Grande Mãe teve dois filhos sozinha: Ponto (o mar) e Urano (o céu). Não vamos entrar aqui na questão de casamento, mas de Grande Mãe Criadora e Geradora de tudo o que existe no planeta. Fato é que Gaia, que representava a Terra, uniu-se ao céu, Urano e juntos geraram vários filhos que para a finalidade deste artigo nos concentraremos em dois apenas: CRONO e REIA.

A questão de luta pelo poder entre pais e filhos se inicia quando Urano não permite que seus filhos gerados por Gaia viessem para a Luz. Ele os empurrava de volta para o ventre. Ela indignada como qualquer mãe, trama junto ao seu filho mais novo Crono um plano para libertar seus filhos e vingar-se de Urano. Em a TEOGONIA, Hesíodo descreve a forma como Urano não tinha amor pelos filhos e como Gaia enraivecida, convence seus filhos e se voltarem contra seu pai: “Rápida criou o gênero do grisalho aço, forjou grande podão e indicou aos filhos. Disse com ousadia: ‘filhos meus e do pai estólido, se quiserdes ter-me fé, puniremos o maligno ultraje de vosso pai, pois ele tramou obras indignas’”. (Hesíodo, 1995, p. 93)

Ao cair da noite, Crono ceifou o pênis do pai, que acabou por salpicar seu sangue pela terra e pelo mar. No mar fecundou uma espuma (aphrós) e dela surgiu Afrodite. Crono casa-se então com Reia e fica sabendo através de sua mãe Gaia que o seu destino será semelhante ao do seu pai Urano, o e ser subjugado pela sua prole. Assim ele decide a cada nascimento de um filho, engoli-lo. Esta atitude causa horror e raiva à sua esposa Reia que dá início a seu plano de vingança.

Métis, uma oceânide conhecida por sua beleza e Astúcia, orienta Reia a enrolar uma pedra em um cueiro, gritar como se fosse parir para chamar a atenção de Crono. Que ao ouvir os gritos surge rapidamente e pega o que ele pensa ser o bebe envolto em panos e o engole. Assim, Zeus é poupado e levado para a ilha de Creta, onde é criado por ninfas e uma cabra. Na narrativa contada por Stephen Fry, Zeus quando atingiu certa idade, ele se juntou à sua mãe e a mesma sina se repete: Reia dá um vomitígeno preparado por Métis para Crono que vai expelindo um a um dos irmãos de Zeus: “A primeira a sair foi Hera. Depois vieram Poseidon, Démeter, Hades e finalmente Héstia” (Fry, 2021 p. 46).

Hesíodo (1995) em sua Teogonia descreve a forma como Zeus destrona o pai, constitui então seu panteão Olímpico e casa-se com a bela e sábia Métis, sua primeira esposa – a mãe de Atena.

O Olimpo estremece: Atena Nasceu

Conforme já descrito acima, um dos pontos que podemos observar na mitologia é a usurpação de poder entre filhos e pais. E com Zeus não seria diferente. Em A Teogonia Hesíodo (1995) descreve um Oráculo onde previa que Zeus teria um filho e que este filho o destronaria. Caso fosse uma filha, esta teria um filho e este então assim o tiraria do poder.

Zeus não poderia deixar que isto acontecesse e em uma brincadeira ardilosa com sua esposa Métis, que já estava grávida, convence a transformar-se em uma gota de água. Zeus então a engole, passando então a gestar Atena. Quando o momento do parto chega, Zeus sente fortíssimas e insuportáveis dores de cabeça. Hefesto então é chamado e com um golpe de machado abre a cabeça de Zeus. Após o golpe, Atena surge em todo o seu esplendor, emitindo um grito de guerra tão ensurdecedor que estremece todo o Olimpo. Ela nasce armada, com escudo, perneiras de bronze e até mesmo uma lança.

Neste mito, segundo Woolger e Woolger (2007, p. 45):

Há, por certo, uma alegoria política do modo como as tribos invasoras mais patriarcais, que adoravam o Deus Pai, Zeus, assimilavam os cultos matriarcais que os precederam. Mas o nome dessa deusa interior, Métis, também é bastante sugestivo, em razão do modo como os homens assumem para si certos poderes que não são necessariamente seus por direito de nascença. A palavra metis significa sábio aconselhamento, o atributo pelo qual Atena é tida em maior apreço no Olimpo.

Mas o que chama mais atenção em Atena são os olhos. Ela é conhecida como a Deusa dos olhos vibrantes, olhos brilhantes. No prefácio da Ilíada de Homero, Frederico Lourenço (2021a, p.89) descreve os olhos de Atena como glaukôpis Athéne: “O epíteto glaukôpis liga-se ao adjetivo glaukós, que designa em Homero a cor do mar, como se comprova na Ilíada em XVI.34”

 O que de fato prendia todos os seres ao olhar dela era o brilho, um brilho que inspirava entusiasmo, patriotismo e coragem. E era este brilho que inspirava seus heróis. Hoje podemos observar este mesmo brilho nos olhos das mulheres transformadoras, aquelas que têm energia de sobra para liderar, ajudar e inspirar aqueles que as cercam.

O Arquétipo de Atena, a Deusa-Heroína

Na trajetória do mito e da sua interpretação arquetípica, é importante falarmos quando se trata de cultura, a descrevermos como aquela que define o modo de pensar e agir da sociedade onde estamos inseridos (CAMPBELL, 2013). E como Atena, diferente das demais Deusas do Olimpo, não apenas era a que mais orientava, mas também a que mais era ouvida por seu pai, Zeus. Para Woolger e Woolger (2021, p. 45): “Atena é o que Jung chamaria de anima de Zeus, seu aspecto criativo feminino”.

Este comportamento de aconselhamento leal e fraterno ela repete com diversos heróis: Perseu (o herói que matou a temível Medusa), Jasão (que conquistou o Velocino de Ouro) Hércules (veio diversas vezes em seu auxílio durante seus 12 trabalhos), Aquiles (o herói mais temido na guerra de Tróia) e Ulisses (o seu favorito e também o mais famoso).

Na Odisseia, Homero (2021b, p. 45-50) descreve a predileção de Atena pelo herói Ulisses quando esta vem em sua defesa diante de Zeus:

Pai de todos nós, mais excelso dos soberanos, é verdade que esse homem teve a morte e que pereça qualquer outro que igual coisa fizer. Mas arde-me o espírito pelo fogoso Ulisses, esse desgraçado, que longe dos amigos se atormenta numa ilha rodeada de ondas no umbigo do mar.

 Apesar de Atena proferir palavras tão marcantes a respeito do herói, ela não tem nenhum outro interesse que não fosse o companheirismo e a vontade de ajudá-lo a vencer suas dificuldades para que ele pudesse retornar para casa. Isto porque algumas das forças do arquétipo de Atena são a intelectualidade, a estratégia e a cooperação. Segundo Woolger e Woolger (2021, p. 284):

Ela tende a respeitar somente aqueles homens cuja força é mental, nunca ‘the macho men’ [...]. Por certo, no mito grego Atena era a padroeira de heróis, mas era a argúcia, a inventividade e a ousadia deles que ela mais amava – Ulisses foi um de seus prediletos sob este aspecto.

As táticas de Atena garantiram diversas vitórias aos gregos durante a guerra de Tróia. Em a Odisseia, Homero no canto VIII, 487-498, o famoso cavalo construído pelos gregos que entra na cidade sob o comando de Ulisses foi fabricado com a ajuda de Atena. Uma mente lógica, prática, muito mais governada pela razão do que pela emoção. Esta mente prática e criativa fez com que a deusa se destacasse perante os demais Deuses do Olimpo: enquanto Posêidon (seu tio) era o Deus dos mares e dos cavalos, Atena criou os navios, o leme e os arreios. Enquanto Hefesto (seu meio-irmão) era o Deus da forja e dos metais, Atena criou o eixo dos carros de guerra. Esta era a sua natureza: o feminino criativo, de natureza civilizatória, multitarefas e de uma persistência inabalável. Atena nunca perde.

A Atena nos Dias de Hoje

Segundo Murdock (2022, p. 85): “O culto à supermulher dos anos 80 prometia às jovens que elas podiam ‘ter tudo’ – uma carreira lucrativa e gratificante, um casamento amoroso, igualitário e estável: e uma maternidade jubilosa”. Assim, seguindo essa promessa, nossa deusa – heroína moderna aprendeu a ter um excelente desempenho no trabalho, a transpor quaisquer obstáculos que surgissem à sua frente, além de se preocupar com um corpo lindo, um rosto sempre jovem e bem disposto. Na verdade, ela sente uma descarga de adrenalina a cada conquista seguida de uma sensação de vazio, dor ou cansaço, que é mascarada com mais uma vitória, mais um diploma, uma ascensão no trabalho, mais um filho.

E este “pensar cultural” corrobora com a tese de que as diferenças homem-mulher, apesar dos avanços, nas palavras de Beauvoir (2019b, p. 28): “A posição do feminismo poderia ser definida assim: nada se deve às mulheres porque são mulheres, mas nada deve lhes ser proibido porque são mulheres”. Podemos perceber que apesar desta óbvia verdade, os estereótipos de gênero ainda são enfatizados nas mulheres, direcionando suas carreiras para áreas consideradas “menos masculinas” e em contrapartida desestimulando a permanência em carreiras predominantemente masculinas como tecnologia, engenharia, matemática e mecânica. (Oliveira-Silva e Parreira, 2022)

É o que podemos depreender a partir de uma pesquisa divulgada no artigo Desafios e Conflitos da mulher na busca da ascensão na carreira profissional onde 78% das entrevistadas ocupam cargos no setor administrativo, enquanto que apenas 22% ocupam cargos nas áreas Operacional, Técnica e Comercial. (Reis et al., 2018)

Afora essa desproporção, é necessário ressaltar, que a condição persistente que vem se mantendo de um século para o outro de que a mulher (mesmo bem qualificada e, muitas vezes, até mais que o homem) ainda ganha menos do que ele. Esta situação no Brasil pode ser observada na Figura 1, que, com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2019), revela que em todos os Estados brasileiros a mulher ganha menos que o homem. Sendo que nos Estados do Amazonas (-5%) e Amapá (-6%) da região Norte e no Estado de Alagoas (-6%) da região Nordeste, esta diferença apresenta-se com o menor percentual.   Por outro lado, no Estado do Rio Grande do Sul (-28%) da região Sul e o Estado de Minas Gerais (-28%) da região Sudeste a diferença é bastante ampliada.

Figura 1

Diferença de Rendimento nos Estados Entre Mulheres e Homens.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: DIEESE (2019)

O DIEESE (2019) também realizou um comparativo de salários entre mulheres e homens quando ambos ocupam o mesmo tipo de cargo com fica demonstrado na Figura 2 abaixo:

Figura 2

Mesmo Cargo, Rendimento Menor de Diretores e Gerentes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: DIEESE (2019)

E para que seja possível tornar mais claro e evidente o tamanho dessa diferença, para nós injustificável, o DIEESE (2019) fez um outro comparativo de salários entre mulheres e homens geral e por escolaridade. Observe-se a Figura 3 abaixo:

Figura 3

Elas Ganham Menos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: DIEESE (2019)

Wachholz (2020, p. 09), analisando estes resultados, ressalta:

[...] fica evidente o tanto que ainda deve ser trabalhado na cultura das empresas sobre a aceitação, a motivação e o desenvolvimento das mulheres em cargos hierárquicos dentro das organizações, considerando os benefícios que podem ser gerados pela visão feminina no que tange à administração de forma geral.

Para Oliveira-Silva e Parreira (2022), as mulheres ainda enfrentam barreiras que dificultam seu crescimento profissional, mesmo quando apresentam melhores qualificações que os homens. As autoras identificam três. A primeira seria uma cobrança pela perfeição, se mostrar melhor e mais competente que seus colegas homens.

Algumas mulheres têm grande orgulho de aprender a pensar como os homens, a competir com eles e vencê-los em seu próprio jogo. Essas mulheres se tornam heroicas, mas muitas permanecem com aquela sensação corrosiva de que nunca serão boas o bastante. Continuam fazendo cada vez mais coisas, pela necessidade de serem iguais aos homens. (Murdock, 2022 p. 61 e 62)

A segunda seria o conflito entre a família e o trabalho, conciliar a maternidade e a carreira. Ainda é tratada de forma natural a associação de trabalhos domésticos à figura da mulher, muito embora já exista um caminho no sentido de se distribuir melhor estes afazeres, incluindo neste rol a importância do papel da paternidade responsável. Porém, estamos muito longe de ser igualitária para ambos os sexos. Para Leite et al. (2021) esta obstinação em equilibrar uma carreira de sucesso e a vida familiar acaba por além de tornar-se opressor e desagradável para as mulheres, causa prejuízos à sua saúde física e mental.

Já a terceira barreira para Oliveira-Silva e Parreira (2022), seria a falta de apoio entre mulheres, a “síndrome da abelha rainha”, ou seja, mulheres que enfatizam qualidades tidas como eminentemente masculinas, e ao fazerem isso, distanciar-se-iam de outras mulheres. A nosso ver, este aspecto reflete-se justamente no fato de que a mulher Atena possui uma mente lógica, estratégica e prática, principalmente em situações de conflito. Ela sente-se sempre estimulada pelo debate e gosta de desafios. Na verdade, ela não estaria pensando como homem, mas claramente ela pensa por si mesma. Segundo Bolen (2003, p. 120), a mulher Atena

Não está agindo como um homem. Seu aspecto masculino, ou animus não está pensando por ela. Ela está pensando claramente e bem por si mesma. O conceito de Atena como arquétipo do pensamento lógico, desafia a premissa junguiana de que o pensar é realizado por uma mulher através de seu animus masculino, que se presume ser diferente do seu ego feminino.

Assim, ao reconhecer que este modo de pensar autônomo na verdade seria uma qualidade feminina e não uma barreira, a mulher Atena passa a ter uma autoimagem mais positiva de si mesma em vez de achar que estaria se masculinizando. Esta racionalidade acaba por ajudá-la a manter seu equilíbrio interior diante dos desafios. Estas barreiras em forma de exigências sofridas pelas mulheres em um mundo patriarcal, justifica a presença metafórica da armadura usada pela nossa Deusa-Heroína: ela precisa a todo tempo ter uma resposta à altura e ser até mesmo agressivamente autoconfiante:

Os homens sempre receberam mais láureas graças à facilidade de recuperação dessa sua persona; entretanto, agora que mais e mais mulheres vão descobrindo quanto a mesma persona também lhes pode ser útil, uma nova estrutura de personalidade, incomparavelmente concebida na deusa-guerreira, começa a surgir. (Woolger; Woolger, 2021, p.58)

Sua jornada é repleta de obstáculos a todo o tempo: são as promoções, pós-graduações, títulos de mestrado ou doutorado, a cada dia se cobrando mais e mais, pois, para ela, sempre existirão pessoas mais qualificadas à sua frente. Uma jornada que definitivamente não é para covardes. Onde quer que haja uma causa ou pelo o que lutar, lá estará Atena.

Quanto ao aspecto de exclusão criado no ambiente de trabalho pelas próprias mulheres, Leite et al. (2022) mostram em seu artigo que hoje se fala em Sororidade, um sentimento que se baseia na empatia, no companheirismo e na união entre as mulheres. Este sentimento tem por finalidade diminuir e eliminar todas as formas de opressão entre elas.

As mulheres gostam de conversar e de se relacionarem umas com as outras, segundo Murdock (2022), as mulheres, historicamente, sempre reuniam se em círculos, faziam coisas juntas e celebravam suas realizações. O fato de se reunirem em círculos significava que uma não teria poder sobre a outra. Estavam ali como iguais. Segundo Cohen (2009, p.45):

A executiva brasileira se mostra significativamente indiferente ao poder, [...] ela não quer mandar, como homem, ela quer ter a capacidade de influenciar pessoas, ser reconhecida como sábia, sensata, capaz, quer ser um modelo. O Homem, por sua vez, quer ser temido e visto como alguém poderoso, distante, que tem dinheiro.

“O arquétipo de Atenas prospera nas arenas comerciais, acadêmicas, científicas militares ou políticas. Por exemplo, Atenas pode se manifestar na mulher com mestrado em administração comercial”. (Bolen, 2003, p. 12)

As mulheres enquanto líderes, podem assumir várias competências relativas ao desempenho da liderança: a motivação para alcançar seus objetivos, o ânimo, a autoconfiança, a inteligência e a capacidade de adaptação às circunstâncias. Suas decisões não são determinadas pela emoção, mas ela é criativa o suficiente para imaginar como alcançar seu objetivo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo procurou-se demonstrar que a mulher do Sec. XXI vem, ainda, lutando para mostrar seu valor, porém, não tencionam mais uma luta contra. Elas querem lutar juntas, lado a lado com os homens, ter a oportunidade ocupar juntas um mundo onde existe lugar, função e importância para todos. É chegado o momento de uma sociedade mais equilibrada, mais sustentável e mais saudável. Onde as mulheres não se sintam culpadas por exercerem tanto o seu lado masculino quanto o feminino, ter um não significa negar o outro, pois todos os seres humanos são feitos de ambos os lados.

O tema, sem dúvida, ainda gera muita discussão, mas já se pode entender que é chegado o momento de se integrar o masculino e o feminino. Um não vive sem o outro. A integração de um ser humano de fato mais completo depende não de ser mulher e “pensar como mulher” ou de ser homem e “pensar como homem”. Será que sempre deveremos para ser um, excluir o outro?

A pesquisa revela que as deusas povoam o imaginário coletivo das mulheres há milhares de anos chegando a permanecer até os dias de hoje. É possível observar o tamanho de sua grandiosidade e permanência no tempo. Graças às suas trajetórias, suas dores, suas vidas e lutas descritas por diversos autores, poetas e artistas, mulheres e homens têm a possibilidade de recuperar e construir seu próprio “EU”. Este artigo pretendeu mostrar uma das faces das 6 deusas aqui representada pela deusa Atena, que hoje habitam e influenciam as mulheres da era moderna. As mulheres de fato ao se libertarem economicamente do homem ainda têm dificuldade de encontrar seu equilíbrio interior. Porque não fomos criadas com os dois lados masculino e feminino integrados: “recusando aos atributos femininos, não se adquirem atributos viris”. (Beauvoir, 2019b, p. 506)

Percebe-se hoje, mais de 70 anos depois de Beauvoir, que não se trata mais de uma recusa ao feminino, mas sim que esta precisa se reconciliar com o masculino. A verdadeira união dos opostos. O século XXI pede cooperação e integração. Para tanto, a mulher precisa sentir-se segura, talvez retirar sua couraça e conseguir transitar mais livremente no ambiente de trabalho, aprendendo com as suas vulnerabilidades em vez de estar sempre provando alguma coisa a alguém.

Esta pesquisa indica que a manutenção de estereótipos e expectativas sociais em relação ao papel do feminino serviu, até o momento, apenas para gerar mais conflito, competição e culpa. Mas para superá-los nossa heroína-deusa precisará ir além destas barreiras. É uma jornada árdua, longa e que demandará dela conhecer-se e aceitar-se. Porque hoje não se trata mais apenas de se ter sucesso em suas carreiras, trata-se de integrar e aceitar este sucesso como um atributo muito feminino, um atributo da mulher.

 O objetivo deste trabalho não foi o de reduzir a mulher de hoje à apenas uma deusa, excluindo assim as demais. Mas mostrar o quanto hoje a força de Atena está presente nas organizações, nas universidades, na política. São mulheres que para ocupar seu espaço lutam estrategicamente com as armas que possuem todos os dias: a jornada diária da heroína-deusa em busca da sua integridade como ser humano, mas principalmente como mulher, seguindo e ouvindo mesmo sem perceber, seu verdadeiro chamado.

Compreender este chamado aceitá-lo sem culpa tem sido desafio das mulheres Atena do Sec. XXI. Assim como aquela que em uma parte de sua vida habitou a mente masculina, a compreendeu e se fez uma com ela, cabe a cada Atena mulher a missão de integrar nosso animus e anima em equilíbrio como um só, para que enfim, possamos todos viver em paz.

Por fim esta pesquisa defende que todas as mulheres possam não serem dominadas por apenas uma deusa e nem confundidas pelo convívio de todas, posto que cada ser humano, independente da sua sexualidade, tem uma vida própria específica, ou seja, única. Defende-se, ainda, que todas as mulheres, a partir da integração, da vivência e do conhecimento do mito, devem ser reconhecidas enquanto trabalhadoras multifacetadas, fortalecidas, protegidas e abençoadas em sua jornada de convivência e de conhecimento.

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[1] Bacharel em Direito pela PUC-RJ. Pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pelo FBUNI. Gestora e Empresária do setor da indústria.

[2] Prof. da Disc. de Met. do Trabalho Científico (Orientador) – FBUNI; Inst. Euvaldo Lodi; M. Sc. em Fitotecnia - UFC; Spec. em Met. do Ens. de Ciências - UECe; Grad. em Agronomia - UFC; Lic. na Área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias - UVA; Cursos de Aperfeiçoamento em: HARVARD; BID; FIOCRUZ. Johns Hopkins University (JHBSPH); Consultor Internacional do BIRD para Lab. Científicos. Consultor Científico