Possíveis impactos do Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina

 

Ana Rita Silva Sacramento

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6739-5711

e-mail: anasacramento@ufba.br  

Fabiano Maury Raupp

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

ORCID: 0000-0001-9533-2574

E-mail: fabianoraupp@hotmail.com  

Denise Ribeiro de Almeida

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2813-1411

e-mail: deniserib@gmail.com

Antônio Almeida Lyrio Neto

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5750-307X

e-mail: antoniolyrio@ufba.br   

 

RESUMO

O objetivo do artigo consiste em analisar o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina. A questão norteadora da investigação foi definida como: Qual o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina? Trata-se de um estudo descritivo, realizado por meio de pesquisa documental, com abordagem qualitativa. O objeto empírico correspondeu aos municípios do Estado de Santa Catarina com porte populacional entre 20.001 e 50.000 habitantes, em um total de 40 municípios. Os dados foram coletados a partir de fontes documentais acessadas no Tesouro Nacional, de forma particular os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária do 6º bimestre do período 2017-2020 disponíveis no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro. Foram identificados três grupos de municípios, se sobressaindo, em quantidade, o grupo com municípios que mantiveram ou aumentaram a autonomia financeira de 2017 a 2019, demonstrando uma queda na passagem de 2019 para 2020. Infere-se que os resultados obtidos no presente estudo revelam possíveis impactos da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira desses municípios. Assim, tem-se como objetivo geral analisar o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina. Especificamente buscou-se identificar o grau de autonomia financeira dos entes escolhidos no exercício 2020 para, em seguida, compará-lo ao histórico desse mesmo indicador nos três anos imediatamente anteriores à Covid-19, em 40 municípios do Estado com porte populacional entre 20.001 e 50.000 habitantes.

Palavras-chave: Covid-19, Autonomia Financeira, Condição Financeira, Receitas Governamentais, Municípios.

Posibles impactos del Covid-19 en la autonomía financiera de los municipios de Santa Catarina

RESUMEN

El objetivo del artículo es analizar el impacto de la pandemia de Covid-19 en la autonomía financiera de los municipios de Santa Catarina. La pregunta orientadora de la investigación se definió como: ¿Cuál es el impacto de la pandemia de Covid-19 en la autonomía financiera de los municipios de Santa Catarina? Se trata de un estudio descriptivo, realizado a través de una investigación documental, con abordaje cualitativo. El objeto empírico correspondió a los municipios del Estado de Santa Catarina con tamaño de población entre 20.001 y 50.000 habitantes, en un total de 40 municipios. Los datos fueron recolectados de fuentes documentales a las que se accedió en el Tesoro Nacional, en particular los Informes Resumidos de Ejecución Presupuestaria del 6º bimestre del período 2017-2020 disponibles en el Sistema de Información Contable y Tributario del Sector Público Brasileño. Se identificaron tres grupos de municipios, destacándose, en cantidad, el grupo con municipios que mantuvieron o incrementaron la autonomía financiera de 2017 a 2019, evidenciando una disminución en el pasaje de 2019 a 2020. Se infiere que los resultados obtenidos en el presente estudio revelar posibles impactos de la pandemia de Covid-19 en la autonomía financiera de estos municipios.

Palabras clave: Covid-19, Autonomía Financiera, Condición Financiera, Ingresos Gubernamentales, Municipios.

POSSIBLE IMPACTS OF COVID-19 ON THE FINANCIAL AUTONOMY OF SANTA CATARINA'S MUNICIPALITIES

ABSTRACT

The aim of the article is to analyze the impact of the Covid-19 pandemic on the financial autonomy of municipalities in Santa Catarina. The guiding question of the investigation was defined as: What is the impact of the Covid-19 pandemic on the financial autonomy of municipalities in Santa Catarina? This is a descriptive study, carried out through documentary research, with a qualitative approach. The empirical object corresponded to the municipalities of the State of Santa Catarina with a population size between 20,001 and 50,000 inhabitants, in a total of 40 municipalities. Data were collected from documentary sources accessed at the National Treasury, in particular the Summary Reports on Budget Execution for the 6th bimester of the 2017-2020 period available in the Accounting and Tax Information System for the Brazilian Public Sector. Three groups of municipalities were identified, with the group with municipalities that maintained or increased financial autonomy from 2017 to 2019 standing out, in quantity, demonstrating a drop in the passage from 2019 to 2020. It is inferred that the results obtained in this study reveal possible impacts of the Covid-19 pandemic on the financial autonomy of these municipalities.

Keywords:  Covid-19, Financial Autonomy, Financial Condition, Government Revenue, Municipalities.

 

INTRODUÇÃO

É incontestável que os desafios impostos pelo novo coronavírus – SARS-CoV-2 – não se limitaram à questão sanitária. Identificado em Wuhan na China no final de 2019 e posteriormente disseminado e transmitido por todo o mundo, o vírus causador de uma das síndromes respiratórias mais agudas e letais nos seres humanos que se tem notícia – a Covid-19 - prossegue ainda voraz em 2021, aniquilando vidas e setores da economia, e exigindo que, globalmente, governos adotem medidas na tentativa de reduzir os devastadores impactos por ele causados.

Essa atual situação ratifica a advertência de Levy (2019) sobre a dificuldade para se vislumbrar o alcance e consequências dessa pandemia. De fato, viu-se que os impactos sobre a oferta e a demanda por bens e serviços causados pelas medidas de distanciamento social, por exemplo, desorganizaram as relações de trabalho, produtivas, de comércio e de crédito. Esse contexto exigiu ainda que indicadores socioeconômicos projetados antes da pandemia fossem constantemente atualizados por governos e organismos multilaterais em todo o mundo, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) que previu a contração da economia mundial em 3,0% no ano de 2020 (Levy, 2019). De fato, com a divulgação dos dados do FMI referentes a 2020 viu-se que, considerando os países com mais de dez milhões de habitantes em 2020 – excluindo a Venezuela – a média das taxas de crescimento em 2019 foi de 2,98%, em 2020 essa mesma média foi de -3,29%. No Brasil o PIB teve queda de 4,1% em 2020 segundo essa mesma fonte (Ellery, 2021).

Nesse contexto, é plausível supor que para países emergentes, com elevados índices de desigualdade de renda e sistema de saúde pública precário, como no Brasil, os impactos dessa pandemia nas contas públicas podem ser ainda mais relevantes do que nos países desenvolvidos, em decorrência, por um lado, do aumento das despesas, e por outro, da frustração nas receitas, que a redução da arrecadação decorrente de uma desaceleração econômica dessa magnitude é capaz de provocar.  Cumpre informar que de acordo com a Receita Federal do Brasil, no período acumulado de janeiro a dezembro de 2020, a arrecadação total das receitas federais alcançou o valor de R$ 1.479.390 milhões, representando um decréscimo pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA de 6,91% em relação ao que foi arrecadado em 2019 (Receita Federal (2021).

Neste contexto, a condição financeira governamental desponta como importante conceito que merece ser investigado no Brasil em âmbito municipal, inclusive porque se sabe que desde que foram elevados à condição de membros da federação, pela Constituição Federal de 1988, os Municípios tanto passaram a ter autonomia para planejar, controlar, arrecadar e gastar os recursos públicos, como também assumiram mais responsabilidades na prestação de serviços públicos à comunidade, resultantes da universalização de diversos direitos sociais, dentre os quais os relacionados à saúde, que a Magna Carta preconizou. Ademais, como parte da receita própria dos municípios - a cota-parte do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA e do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR – é coletada indiretamente pelos Estados e pela União – e registrada como transferências intergovernamentais – um eventual decréscimo no arrecadado por esses entes superiores pode ter repercussão na condição financeira das municipalidades.

A condição financeira, segundo Lima e Diniz (2016) é um fenômeno complexo, multidimensional e influenciado por fatores do ambiente político e fiscal, internos e externos ao ente governamental. Ainda segundo esses mesmos autores, trata-se da capacidade de um governo continuar a fornecer serviços à população e satisfazer suas obrigações financeiras, tão logo exigidas, e que pode ser analisada a partir de várias perspectivas e focos, dentre os quais a da receita, a dos gastos, a do endividamento etc. Na perspectiva da receita, o pressuposto é que as receitas determinam a capacidade do governo em financiar seus serviços em uma base contínua; na perspectiva dos gastos busca-se identificar a relação entre esses e a saúde financeira do governo; já na do endividamento, o propósito da análise consiste em determinar o impacto da dívida sobre a condição financeira do governo, bem como a extensão na qual novas dívidas podem ser contraídas.

Mesmo frente a um espectro amplo de possibilidades e perspectivas de estudo, a pesquisa em tela centra-se na ótica da receita por entender sua relação e influência nas demais perspectivas, quais sejam, de gastos e de endividamento. Em face do exposto, a questão norteadora da investigação foi definida como: Qual o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina? Assim, tem-se como objetivo geral analisar o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina. Especificamente buscou-se identificar o grau de autonomia financeira dos entes escolhidos no exercício 2020 para, em seguida, compará-lo ao histórico desse mesmo indicador nos três anos imediatamente anteriores à Covid-19, em 40 municípios do Estado com porte populacional entre 20.001 e 50.000 habitantes.

Considera-se que a realização de esforço investigativo dessa natureza pode ser justificada de várias maneiras, dentre as quais se destaca a carência de estudos no Brasil sobre condição financeira governamental, especialmente comparando municípios do país por meio de indicadores de análise de receita operacional. Quanto à dimensão espacial, buscou-se por conveniência trabalhar com os municípios do Estado de Santa Catarina. No tocante à dimensão temporal, a opção por comparar o grau identificado no ano de 2020 com os três imediatamente anteriores visou conhecer o histórico do comportamento desse indicador, a fim de verificar se seu desempenho foi afetado pela pandemia da Covid-19.

Espera-se, portanto, que esse esforço para sistematizar o conhecimento acerca da condição financeira governamental desses municípios contribua também em termos práticos, podendo incentivar outros estudos que façam avançar a sua compreensão pelas áreas de conhecimento que com eles se relacionam, especialmente a área da Administração Pública. A contribuição, portanto, reside em apresentar uma reflexão sobre o desempenho da capacidade financeira governamental de municípios na perspectiva da receita operacional desses entes, com foco no indicador da autonomia financeira, incluindo-se na análise um período no qual se previu contração da economia decorrente de fatores externos – a pandemia da Covid-19. O trabalho divide-se em cinco seções iniciando com esta introdução, seguida do referencial teórico abordando os conceitos principais utilizados no estudo. Após apresentam-se os procedimentos metodológicos, os resultados e suas considerações finais e sugestões.

Condição financeira e receitas governamentais: algumas reflexões

Considera-se fundamental iniciar essa seção do artigo discutindo-se o conceito de condição financeira de um ente público, conceito este básico e elementar para dar sustentação ao objeto de investigação. Para Miller (2001), o mesmo reflete um cenário em que o ente reúne as condições fundamentais para arcar com suas obrigações presentes e futuras, considerando-se ainda emergências financeiras de curto e longo prazo. Consiste em um dos elementos básicos quando se precisa conhecer a efetiva capacidade desses entes para proverem serviços e bens públicos que atendam de forma satisfatória às demandas e o bem-estar da população.

A condição financeira pode ser conceituada como “a capacidade de um governo local equilibrar as necessidades de despesas recorrentes com suas recorrentes fontes de receita, enquanto fornece serviços de forma contínua” (Hevesi, 2003, p. 2). Implícita em tal conceito há a ideia de que uma boa condição financeira permite ao governo a manutenção dos níveis demandados de serviços durante crises econômicas; identificar-se e ajustar-se às mudanças econômicas ou demográficas de longo prazo, além de criar alternativas para buscar recursos que atendam às demandas emergenciais de curto e longo prazo (Acir, 1973; Hevesi, 2003).

A partir destas considerações, depreende-se que o cálculo da condição financeira governamental é permeado por um viés de instrumentalidade que torna fundamental para sua operacionalização a definição de um leque de indicadores, independentemente do modelo adotado. Importante destacar também que a condição financeira de um ente pode ser analisada por diversos prismas, dentre os quais se destaca o da receita, porquanto essa representa o conjunto de fontes que determina a capacidade do governo para fornecer bens e serviços à comunidade.

Oportuno também pontuar que embora em sentido amplo se denomine como receita pública qualquer ingresso de recursos financeiros nos cofres do ente público, em sentido restrito isso não é assim. Na literatura sobre finanças públicas têm-se que os recursos se distinguem em orçamentários e extraorçamentários, sendo que somente devem ser considerados como receitas públicas os ingressos orçamentários. Justifica-se por decorrerem de recursos financeiros que ingressam durante o exercício e que aumentam o saldo financeiro da instituição, pois esses são os que pertencem efetivamente ao ente, sendo definitivos e incondicionais, além de transitarem pelo patrimônio do Poder Público e, via de regra, por força do princípio orçamentário da universalidade, estão previstas na Lei Orçamentária Anual (LOA). Quanto ao fato de os ingressos extraorçamentários não serem considerados como receitas públicas em sentido estrito, isso se dá especificamente pelos seguintes motivos: a) esses possuem caráter temporário, sendo o Estado mero agente depositário; b) como se tratam de ativos e passivos exigíveis, o Estado corre o risco de precisar devolvê-los aos seus depositantes (ex: caução, fiança, depósitos para garantia etc.), portanto, em geral, não têm reflexos no Patrimônio Líquido da Entidade (Secretaria do Tesouro Nacional, 2019).

 Tendo por foco o objetivo do artigo, interessam-nos reflexões sobre questões relativas à base composta pelas receitas orçamentárias que, na literatura sobre análise da condição financeira, são chamadas de operacionais. As receitas operacionais do governo possuem duas fontes principais: as receitas próprias, compostas pelos tributos de sua competência, e, no caso dos municípios, as transferências intergovernamentais, decorrentes dos impostos indiretamente arrecadados, por questão de eficiência arrecadatória, pelas esferas superiores e posteriormente em relação ao local de origem da arrecadação, ou seja, aos municípios. Essas transferências são vistas como essenciais em países federativos, a exemplo do Brasil, por apresentarem um perfil de arrecadação de receitas muito centralizado, associado a gastos descentralizados.

No que tange às receitas próprias, os tributos dos Municípios são os seguintes: Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU, Imposto sobre Doações - ITBI, Imposto Sobre Serviços - ISS fora da competência do ICMS, além das taxas e contribuições de melhoria. No que diz respeito às transferências intergovernamentais, os Municípios são contemplados por transferências tanto federais como estaduais. Tais transferências são categorizadas como: a) constitucionais - aquelas que não exigem nenhum condicionante, sendo compostas pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM – 22,5% do IR e do IPI), 50% do ITR, 70% do IOF – ouro – e o IRRF dos servidores municipais, todas recebidas do plano federal; e mais 25% do ICMS e 50% do IPVA recebidas do plano estadual; b) legais – quando determinadas mediante lei específica, podendo ser condicionais ou não, a depender da legislação que a instituiu (p. ex. as transferências decorrentes o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE; c) do Sistema Único de Saúde (SUS); d) direta ao cidadão – são as decorrentes de programas que concedem benefício monetário mensal, sob a forma de transferência de renda diretamente à população-alvo do programa (p. ex.: Programa Bolsa Família); e) voluntárias - são os repasses de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorram de determinação constitucional, legal ou aos destinados ao Sistema Único de Saúde. A operacionalização dessas transferências é, em regra, viabilizada por meio de convênios ou contrato de repasses (Matias-Pereira, 2017).

Especificamente no caso brasileiro, como afirma Abrúcio (2006), com a Constituição Federal de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988) ampliou-se a responsabilidade do Estado no tocante à universalização de diversos direitos sociais, notadamente em relação aos serviços de saúde e educação gratuitos. Sob tal cenário, ocorre a descentralização de recursos federais para os municípios, fazendo com que estes entes assumam mais responsabilidades, sem, contudo, haver medidas que propiciem o aumento proporcional das suas receitas próprias.

Analisando tal contexto, Diniz (2012) afirma que as transferências intergovernamentais se constituem na principal fonte para que os municípios alcancem seu equilíbrio fiscal, assegurando a obtenção de volume de receitas suficiente para que suprir adequadamente suas despesas na oferta de serviços e produtos aos munícipes. Entretanto, como apontado por Freire e Garzón (2014), tanto no Brasil, como em países com realidade econômico-social similar, há sensíveis diferenças deste grau de dependência entre municípios em função do seu porte; assim, afirmam que nos municípios menores o grau de dependência em relação às transferências intergovernamentais é muito maior do que nos entes municipais de maior porte, os quais possuem maior capacidade de gerar receitas próprias.

Em consonância com Sousa, Leite Filho e Pinhanez (2019), Freire e Garzón (2014) e Diniz (2012), espera-se que independentemente do seu porte os entes municipais dependem dos repasses da União e do Estado da federação ao qual pertencem para garantir, além da oferta dos serviços e bens necessários à comunidade, o essencial equilíbrio das suas contas públicas. Evidencia-se assim, que a análise do processo de obtenção de receitas municipais é uma das dimensões da capacidade de enfrentamento dos municípios às diferentes externalidades, dentre elas as pressões por gastos com saúde como atualmente vivenciado, ao redor do país com a epidemia do Covid-19.

A receita constitui-se no principal ativo do governo representando recursos externos que garantem o cumprimento de suas obrigações, contribuindo para a melhoria da sua condição financeira (Jacob & Hendrick, 2013; Lima & Diniz, 2016). Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, no artigo 11, prevê que a criação, previsão e arrecadação de todos os tributos de competência do ente governamental são requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal. Tem o gestor a obrigação de explorar de maneira correta a base econômica local, com vistas a manter sua situação financeira saudável, possibilitando assim, a oferta adequada de bens e serviços à comunidade (Lei Complementar n. 101, 2000).

Para Lima e Diniz (2016) e Jacob e Hendrick (2013), há cinco componentes da receita relacionados à condição financeira do governo: base econômica (riqueza da comunidade); base da receita (métodos utilizados pelo ente para explorar sua base econômica); receita arrecadada (quanto de receita efetivamente foi arrecadado pelo ente); capacidade fiscal (o poder de produzir receita); e reserva de receita (diferença entre receita arrecadada e capacidade fiscal). Destacam ainda a presença de relações entre estes, como a seguir explicitado: a) Base econômica com base da receita: quanto maior a efetividade no uso da riqueza da comunidade pelo ente, melhor a sua saúde financeira, ou seja, quanto mais próximo de 1 melhor; b) Base econômica com capacidade fiscal: demonstra a extensão em que o governo é capaz de gerar receita, ou seja, quanto mais perto de 1, melhor; c) Base da receita com capacidade fiscal: capacidade do ente explorar ao máximo sua base da receita, ou seja, obter receitas anuais próximas da sua capacidade fiscal, ou seja, quanto mais próximo de 1 melhor; e d) Receita arrecadada com capacidade fiscal: demonstra o potencial de receita não explorado, ou seja, quanto menor do que um, pior.

 Destas relações, buscando trazer maior instrumentalidade ao processo de análise das receitas operacionais do ente governamental, emergem diferentes indicadores concebido a partir de algumas categorias analíticas, a saber: crescimento, flexibilidade, elasticidade, dependência, diversidade e administração da receita operacional arrecadada (Lima & Diniz, 2016; Jacob & Hendrick, 2013). Contudo, conforme já sinalizado na introdução, essa investigação centra-se na ótica da receita, especificamente no indicador do grau de desempenho de autonomia financeira, por entender sua relação e influência nas demais perspectivas, quais sejam, de gastos e de endividamento.

O escopo do indicador autonomia financeira consiste em evidenciar a participação de todos os recursos próprios do Município, arrecadados de forma direta ou indireta, em relação à receita operacional. Sinteticamente, o que esse indicador demonstra é o grau de independência financeira do município a recursos de transferências intergovernamentais oriundas da União e Estados.

De acordo com Lima e Diniz (2016, p. 262), esse grau de autonomia financeira do ente é consequência de três fontes de receita própria, a saber: a) receitas decorrentes de tributos diretamente arrecadados (Impostos sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU, Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - IRRF, Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITIB, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, Taxas e Contribuições de Melhorias); b) receitas não tributárias diretamente arrecadadas (de contribuição, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras receitas correntes) e; c) receitas de impostos arrecadados indiretamente por esferas superiores e redistribuídos conforme local de origem da arrecadação (Cota-parte do: Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI). O somatório de tais fontes representa, portanto, a capacidade de geração de receita do ente.

Considera-se importante apresentar a definição de receitas operacionais, usando-se para tal a visão de Lima e Diniz (2016, p. 259) de que: “[...] são as receitas orçamentárias correntes derivadas e originárias. As derivadas compreendem os impostos, as taxas, as contribuições e as transferências recebidas; e as originárias compreendem receita patrimonial, agropecuária, industrial e de serviços”. Ou seja, no cômputo da receita operacional estão incluídas, além das receitas correntes, as transferências correntes – obrigatórias e voluntárias.

A condição financeira do município, sob a perspectiva da sua receita operacional, pode ser encontrada de forma comparativa tomando por base o cálculo do conjunto de municípios similares que compõem a amostra, o chamado grupo de referência. Destaca-se que, conforme Lima e Diniz (2016) e Brown (1993), para tal classificação é fundamental levar-se em conta a similaridade de características econômicas, sociais e demográficas dos entes pesquisados, considerando-se ainda a faixa de habitantes de cada um deles. Tal procedimento viabiliza o cálculo de um quociente de localização de cada município em relação ao valor médio do mesmo indicador no seu grupo de referência.

Alguns estudos exploratórios revelaram que o Brasil ainda possui poucos trabalhos que utilizam modelos de avaliação da condição financeira governamental, sendo que, dentre os existentes predomina a utilização do modelo de Brown (1993), seja como método, seja como referencial. Sousa, Leite Filho, e Pinhanez (2019) investigaram a influência dos fatores socioeconômicos na condição financeira. Utilizando dados do PIB, proporção da população residente na zona rural, proporção da população pobre e taxa de analfabetismo, relacionados por meio de regressão múltipla com os indicadores de Brown (1993), influenciando negativamente o índice de condição financeira, exceção do PIB que não foi significativo.

Araújo, Leite e Leite filho (2019) buscaram identificar a influência da condição financeira nas subvenções governamentais (incentivos fiscais ou empréstimos a terceiros privados para promover investimentos em suas regiões) dos estados brasileiros em crise econômica, no período 2010-2016, valendo-se dos indicadores do modelo de Wang, Dennis e Tu (2007), através de regressão linear múltipla. Concluindo que há relações com concessões de subvenções por parte dos estados, reforçando o conceito de condição financeira como capacidade de o governo atender às necessidades da sociedade até em contexto de crises por não haver mudanças significativas nas concessões de subvenções nos períodos analisados.

Estudo também robusto utilizando o último modelo como base foi feito por Nobre, Diniz e Araújo (2019) em municípios da Paraíba com população inferior a 100.000 habitantes. Os autores inseriram os valores obtidos por meio do modelo de Brown (1993) em um modelo estatístico, juntamente com as variáveis transparência pública e multa, por meio de Tobit em painel, concluindo que quanto melhor a condição financeira, melhores serão os índices de transparência municipais.

Vesco, Hein e Scarpin (2014) identificaram a diferença dos indicadores de desempenho econômico e financeiro de Brown (1993), em municípios na região Sul com até 100 mil habitantes. Para tal, discutiram o porte dos entes e indicadores de desempenho financeiro de receita, despesa, estrutura operacional e estrutura da dívida. Os resultados confirmaram as concepções do modelo, indicando que nas análises de condição financeira governamental são essenciais comparações entre entes de porte semelhante, pois diferenças nesta característica, refletiram-se nas análises dos indicadores. Espera-se, assim, que o trabalho ora apresentado contribua para incrementar e sistematizar o conhecimento a respeito da pertinência do uso de modelos disponíveis na literatura para análise da condição financeira de governos no Brasil.

METODOLOGIA

A pesquisa é descritiva, realizada por meio de estudo documental, com abordagem qualitativa. Em consonância com aquilo que prescreve Gil (2009), busca descrever as características de uma população específica em relação ao fenômeno da condição financeira municipal, que se mostra carente de estudos no país. Desenvolveu-se o estudo segundo o preconizado por Jacob e Hendrick (2013) e Lima e Diniz (2016), tendo-se por universo os 41 municípios, com população entre 20.000 e 50.000 habitantes, de Santa Catarina. Contudo, optou-se por excluir os dados do município de Orleans não estavam completos, chegando-se a uma amostra de 40 municípios analisados. Com tal procedimento, visou-se atender ao pressuposto do modelo usado no tocante à necessidade de similaridade econômica, social e demográfica dos entes estudados para fins comparativos. Os municípios foram identificados a partir de consultas ao portal do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (Ibge, 2020).

Os dados foram coletados a partir de fontes documentais acessadas no Tesouro Nacional (Secretaria do Tesouro Nacional, 2021), de forma particular os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) do 3º bimestre do período 2017-2020 disponíveis no Sistema de Informações Contábeis e Financeiro do Setor Público Brasileiro (SICONFI) e analisados pela técnica da análise descritiva. Trata-se, portanto, de um estudo longitudinal.

Finda a seleção dos municípios componentes do trabalho, passou-se ao cálculo do indicador de autonomia financeira. Antes de se avançar para o próximo passo, entende-se ser fundamental apresentar a fórmula do mesmo e sua forma de análise, bem como detalhar as variáveis que o compõem na Figura 1.

 

Autonomia Financeira = Tributos diretos e indiretos (+) Receitas não tributárias

                                                       Receita operacional

 

Em termos analíticos o indicador tem o cálculo do seu nível em decorrência de três fontes: tributos diretos e indiretos e receitas não tributárias diversas (patrimonial, industrial, outras receitas correntes etc). Segundo os autores utilizados, quanto maior seu resultado, menor a dependência do ente a recursos de níveis superiores. A seguir o detalhamento de cada uma das variáveis.

 

Figura 1

Variáveis da autonomia financeira

Variável

Descrição

Tributos diretos

IPTU, ITBI, ISS fora da competência do ICMS, além das taxas e contribuições de melhoria

Tributos indiretos

Cota-parte do IPI, Cota-Parte do ICMS; Cota-Parte do IPVA e Cota-Parte do ITR

Receitas não tributárias

Receita de contribuições, Receita patrimonial, Receita agropecuária, Receita Industrial e Receita de serviços e outras receitas correntes.

Receita operacional

Receitas orçamentárias correntes derivadas e originárias

 

 

Fonte: Elaboração própria, 2021, a partir de Lima e Diniz (2016).

 

O indicador foi calculado para os 40 municípios, nos 4 períodos analisados (2017, 2018, 2019, 2020), sendo na sequência calculada a variação do período. Feito isso, chegou-se ao resultado de desempenho anual dos 40 municípios, no tocante à sua autonomia financeira, sendo usada para tal classificação, a escala de Lima e Diniz (2016), descrita na Figura 2.

 

Figura 2

Escala desempenho versus autonomia financeira

Desempenho

Autonomia Financeira

Fraco

Até 0,30

Razoável

Entre 0,30 e 0,40

Bom

Entre 0,40 e 0,50

Muito bom

Entre 0,50 e 0,60

Excelente

Acima de 0,60

 

 

Fonte: Lima e Diniz (2016, p.  273).

 

Os resultados da pesquisa são apresentados sob a forma de uma tabela gerada a partir de planilhas produzidas utilizando o software Excel, visando-se assim facilitar a compreensão do leitor em relação aos achados. A discussão dos resultados ancorou-se na confrontação dos mesmos em relação às concepções teóricas do referencial teórico, bem como na vivência dos autores em relação ao tema ora explorado.

RESULTADOS E DISCUSSÕES                   

As análises e discussões recaíram sobre o conjunto de municípios de Santa Catarina na faixa populacional de 20.001 a 50.000 habitantes, compreendendo um total de 40 municípios. Oportuno aqui é justificar a escolha desta faixa populacional, sendo duas as razões principais, fundamentadas no aporte teórico utilizado: primeiro pelo fato de Lima e Diniz (2016) terem utilizado esse recorte; segundo pelo modelo de Brown (1993) ser indicado para municípios de porte menor. Os primeiros resultados dizem respeito a uma análise geral da autonomia financeira sobre o objeto empírico investigado. Na sequência, discorre-se a respeito do desempenho dos municípios em relação à autonomia financeira, finalizando com algumas discussões.    

             Os dados necessários ao cálculo da autonomia financeira foram obtidos no Anexo 3 do RREO disponíveis no SICONFI. Foram utilizados os seguintes dados: Receita Tributária Arrecadada Diretamente (Impostos, Taxas e Contribuições de Melhorias), Receitas não Tributárias (de Contribuições, Patrimonial, Agropecuária, Industrial, de Serviços e Outras Receitas Correntes), Impostos arrecadados indiretamente (Cota-Parte do: ICMS, IPVA, ITR e IPI Exportação) e as Transferências. Aplicados os dados na fórmula da autonomia financeira foram obtidos os resultados apresentados por meio da Tabela 1.

 

Tabela 1

Autonomia financeira dos municípios no período 2017-2020

Município

2017

2018

2019

2020

Variação (2019-20)

Araquari

0,62

0,65

0,68

0,75

0,07

Balneário Piçarras

0,54

0,56

0,60

0,62

0,02

Barra Velha

0,52

0,54

0,53

0,53

0

Bombinhas

0,69

0,69

0,69

0,66

-0,03

Braço do Norte

0,47

0,48

0,61

0,47

-0,14

Campos Novos

0,63

0,63

0,64

0,61

-0,03

Capinzal

0,57

0,58

0,58

0,58

0

Capivari de Baixo

0,51

0,53

0,53

0,46

-0,07

Curitibanos

0,54

0,52

0,54

0,46

-0,08

Forquilhinha

0,51

0,51

0,51

0,48

-0,03

Fraiburgo

0,46

0,47

0,47

0,46

-0,01

Garopaba

0,52

0,56

0,58

0,55

-0,03

Guabiruba

0,42

0,45

0,44

0,43

-0,01

Guaramirim

0,61

0,62

0,54

0,51

-0,03

Herval d'Oeste

0,49

0,49

0,51

0,53

0,02

Imbituba

0,63

0,63

0,64

0,62

-0,02

Itaiópolis

0,62

0,49

0,51

0,47

-0,04

Itapoá

0,61

0,60

0,66

0,61

-0,05

Ituporanga

0,50

0,48

0,50

0,47

-0,03

Jaguaruna

0,47

0,49

0,48

0,43

-0,05

Joaçaba

0,79

0,70

0,71

0,70

-0,01

Laguna

0,52

0,51

0,46

0,43

-0,03

Maravilha

0,53

0,54

0,54

0,51

-0,03

Orleans

0,55

0,55

0,55

0,25

-0,3

Penha

0,52

0,55

0,53

0,62

0,09

Pinhalzinho

0,53

0,54

0,55

0,52

-0,03

Pomerode

0,64

0,62

0,64

0,63

-0,01

Porto Belo

0,57

0,58

0,57

0,56

-0,01

Porto União

0,57

0,52

0,52

0,53

0,01

Rio Negrinho

0,52

0,51

0,50

0,49

-0,01

Santo Amaro da Imperatriz

0,49

0,50

0,49

0,44

-0,05

São João Batista

0,46

0,47

0,48

0,44

-0,04

São Joaquim

0,44

0,47

0,45

0,42

-0,03

São Lourenço do Oeste

0,48

0,47

0,49

0,46

-0,03

São Miguel do Oeste

0,49

0,52

0,54

0,51

-0,03

Schroeder

0,47

0,46

0,45

0,48

0,03

Sombrío

0,61

0,40

0,40

0,39

-0,01

Tijucas

0,61

0,59

0,59

0,58

-0,01

Timbó

0,69

0,65

0,65

0,61

-0,04

Urussanga

0,52

0,52

0,52

0,48

-0,04

Xaxim

0,45

0,47

0,47

0,43

-0,04

 

 

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

 

Além dos dados anuais por município, e considerando o objetivo do estudo, foi feito o cálculo da variação 2019-2020. A partir dos dados da Tabela 1 é possível perceber, pelo menos, três grupos de municípios: o Grupo 1 com municípios que mantiveram ou aumentaram a autonomia financeira de 2017 a 2019, apresentando uma queda na passagem de 2019 para 2020; o Grupo 2 com municípios que mantiveram ou aumentaram a autonomia financeira em todo o período analisado, ou seja, de 2017 a 2020; e o Grupo 3 com municípios que apresentaram sucessivas quedas na autonomia financeira de 2017 a 2020. A identificação dos municípios e o quantitativo de cada grupo é apresentado na Tabela 2.

 

Tabela 2

Grupos de municípios

Grupos

Municípios

Frequência

Grupo 1

Bombinhas, Braço do Norte, Campos Novos, Capivari de Baixo, Curitibanos, Forquilhinha, Fraiburgo, Garopaba, Guabiruba, Imbituba, Itapoá, Ituporanga, Jaguaruna, Joaçaba, Maravilha, Pinhalzinho, Pomerode, Porto Belo, Santo Amaro da Imperatriz, São João Batista, São Joaquim, São Lourenço do Oeste, São Miguel do Oeste, Urussanga, Xaxim.

25 (62,50%)

Grupo 2

Araquari, Balneário Piçarras, Barra Velha, Capinzal, Herval d'Oeste, Penha, Porto União, Schroeder.

8 (20,00%)

Grupo 3

Guaramirim, Itaiópolis, Laguna, Rio Negrinho, Sombrio, Tijucas, Timbó.

7 (17,50%)

Total

40 (100,00%)

 

 

Fonte: Dados na pesquisa (2021).

 

Tomando por base os dados das Tabelas 1 e 2 chama a atenção o quantitativo de municípios no grupo 1, 25 (62,50%). Este dado revela que a maioria dos municípios da faixa populacional considerada no estudo mantiveram ou aumentaram a autonomia financeira de 2017 a 2019, mas apresentaram perdas no indicador na passagem de 2019 para 2020, o que pode revelar possíveis impactos da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira desses municípios.

Os outros dois grupos ao tempo que apresentam diferenças, apresentam também semelhanças entre si. As diferenças residem no fato de que em um dos grupos os municípios mantiveram ou aumentaram a autonomia financeira em todo o período analisado e no outro os municípios apresentaram sucessivas quedas no indicador. Já a semelhança entre os grupos diz respeito à possível manutenção de suas “rotas” em todo o período, não sendo, em tese, impactados pela pandemia da Covid-19. Portanto, a redução no indicador, de 2019 para 2020, não faz parte apenas dos municípios do grupo 1, mas também no grupo 3, conforme pode ser observado na Tabela 1 (variação 2019-2020). Os dados também são apresentados por meio da Figura 3.

 

Figura 3

Autonomia financeira dos municípios no período 2017-2020

 

 Gráfico

Descrição gerada automaticamente

 

 

Fonte: Dados na pesquisa (2021).

           

            Os dados do Gráfico 1 também revelam um possível impacto da pandemia da Covid-19 nos resultados com a autonomia financeira, passagem de 2019 para 2020, aqui não mais em grupos, mas em uma visão geral. É possível perceber um certo alinhamento entre os comportamentos dos municípios em 2017, 2018 e 2019, que se modificam quando analisamos o exercício de 2020.  

            Feita uma análise mais geral dos dados discorre-se agora sobre o desempenho dos municípios em relação à autonomia financeira tendo por base a escala proposta por Lima e Diniz (2016). Os dados são apresentados na Tabela 3.

 

Tabela 3

Desempenho em relação à autonomia financeira em municípios de SC

Desempenho

Autonomia Financeira (Frequência)

2017

2018

2019

2020

Fraco

0 (0,00%)

0 (0,00%)

0 (0,00%)

0 (0,00%)

Razoável

0 (0,00%)

1 (2,50%)

0 (0,00%)

1 (2,50%)

Bom

12 (30,00%)

13 (32,50%)

12 (30,00%)

18 (45,00%)

Muito bom

16 (40,00%)

18 (45,00%)

18 (45,00%)

11 (27,50%)

Excelente

12 (30,00%)

8 (20,00%)

10 (25,00%)

10 (25,00%)

Total

40 (100,00%)

40 (100,00%)

40 (100,00%)

40 (100,00%)

 

 

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

 

Inicialmente é possível pontuar a concentração de municípios nas faixas Bom, Muito Bom e Excelente, inexistência na faixa Fraco e apenas um (01) município na faixa Regular, fato que caracteriza uma situação confortável destes municípios. Sendo ainda mais específico, nos três primeiros anos se sobressaem municípios com desempenho Muito Bom, enquanto em 2020 o maior número de municípios está na faixa Bom.

Os dados acima revelam um aumento significativo (50%) na condição de Bom desempenho no ano 2020 quando comparado a 2019, pois aumentou de 12 para 18, ou seja, seis entes a mais assumiram esse status em 2020. Contudo, como concomitantemente se verifica um decréscimo na condição de desempenho muito bom, pois de 18 para 11 - oito entes, portanto - no mencionado período, a análise que se pode fazer é que houve uma migração de condição para um status inferior, especificamente de muito bom para bom. Considerou-se importante nesse ponto efetuar uma checagem na Tabela 1 para identificar os municípios que migraram de condição em 2020: Braço do Norte, Capivari de Baixo, Curitibanos, Forquilhinha, Itaiópolis, Ituporanga, Rio Negrinho e Urussanga. Estes foram os que migraram de muito bom para bom. Já o município de Penha migrou de Bom para Muito Bom, único a melhorar a condição de 2019-2020.

Esses achados convergem com o exposto por Miller (2001), sobre a importância desse tipo de análise para que se compreenda as condições dos entes para arcar com suas obrigações presentes e futuras, considerando-se ainda emergências financeiras de curto e longo prazo. Como se vê na tabela 1, apenas um ano de emergência causada pela pandemia da Covid-19 já foi suficiente para alterar - para menor - o grau de desempenho dos municípios acima citados.

Acresça-se a essa discussão o alerta de Santos (2003, p.19) para quem os municípios brasileiros não apresentam o mesmo nível de autonomia financeira quando esta é comparada à autonomia política, administrativa e econômica. Como nos adverte esse autor, é visível que os municípios com “maior população conseguem explorar uma melhor base econômica que lhes proporciona maior arrecadação própria, além de maiores transferências da quota-parte do ICMS” (Santos, 2003, p. 19), por outro lado, os pequenos, como ocorre com os municípios do Estado de Santa Catarina aqui investigados, ficam “muito dependentes de receitas de transferências constitucionais, sobretudo do FPM, mas também de outras transferências” (Santos, 2003, p. 19), situação que fica mais evidente em razão da pandemia da Covid-19, e que pode ser ainda mais agravada caso a pandemia perdure por médio ou longo prazo.

Acredita-se que exista “uma maior fragilidade dos municípios de pequeno porte em caso de qualquer alteração que reduza sua base tributária, principalmente daqueles que independem do seu esforço arrecadatório” (Pacheco et al., 2018, p. 203). Para os autores, “as receitas tributárias crescem à medida que aumenta a faixa populacional dos municípios e cai o nível de dependência em relação às transferências intergovernamentais” (Pacheco et al., 2018, p. 203).

 

CONCLUSÕES, CONTRIBUIÇÕES E SUGESTÕES DE ESTUDOS FUTUROS                 

O objetivo do artigo consistiu em analisar o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios de Santa Catarina, na faixa populacional de 20.001 a 50.000. Foram identificados três grupos de municípios, se sobressaindo, em quantidade, o grupo com municípios que mantiveram ou aumentaram a autonomia financeira de 2017 a 2019, demonstrando uma queda na passagem de 2019 para 2020. Esses dados foram reforçados pelas análises gráficas e de desempenho em relação à autonomia financeira em municípios. Infere-se, portanto, que os resultados obtidos no presente estudo revelam possíveis impactos da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira desses municípios.  

            Depreende-se dos resultados obtidos que o estudo traz contribuições do ponto de vista teórico e prático. Em termos teóricos se debruça sobre um tema ainda carente de discussão, visto os escassos trabalhos até então desenvolvidos sobre condição financeira governamental dos municípios quando conjunturas não previstas eclodem no país e atingem o seu particular contexto. Em termos práticos, a investigação traz análises que poderão ser consideradas pelos gestores dos municípios investigados, bem como sinaliza os muitos “afluentes” que poderão replicar a estrutura das análises, sejam outros municípios brasileiros, sejam os estados, obviamente observadas as especificidades de cada ente considerado.

            Estudos desta natureza abrem um leque de estudos futuros que poderão continuar contribuindo com a área de conhecimento. O primeiro deles, inerente à própria limitação do presente estudo, consiste em aprofundar as análises aqui empreendidas por meio de técnicas quantitativas e que poderão trazer outras inferências sobre o impacto da pandemia da Covid-19 na autonomia financeira de municípios brasileiros. Uma segunda sugestão é empreender um estudo que possa avaliar o impacto do montante aportado em termos de auxílio emergencial nos resultados da autonomia financeira de municípios brasileiros.   

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