Panorama da oferta energética em Santa Catarina: uma revisão narrativa

 

 

Júlia Ilze de Farias

juliailze825@gmail.com

Universidade do Planalto Catarinense, Brasil.

 

 

RESUMO

A matriz energética tem papel essencial na gestão energética, é necessário conhecê-la, planejar cuidadosamente seu uso e ofertar o que é necessário a fim de combater crises de abastecimento que eventualmente surgem. Este trabalho tem por objetivo apresentar informações sobre a matriz e oferta energética do Estado de Santa Catarina. Foi realizado para uma revisão narrativa mediante a análise de relatórios publicados pelo governo federal, órgãos de distribuição de energia e entidades que tenham realizado estudos na área, assim como publicações científicas (artigos e capítulos de livros) que descrevam o cenário pesquisado. Como base de dados foram utilizados o Google Acadêmico e a SciElo durante o período de junho de 2022 a março de 2023. Como resultados, verificou-se que Santa Catarina possui variadas fontes de energia que formam uma forte malha energética, no entanto, ainda são necessários investimentos, interligação entre as fontes, equalização entre as diversas regiões do estado no que diz respeito à infraestrutura e qualidade da energia recebida a fim de se obter um planejamento energético adequado e que promova a justiça energética.

Palavras-chave: Santa Catariana, matriz energética, energia.

 

Panorama de la oferta energética en Santa Catarina: uma revisión narrativa

 

RESUMEN

La matriz energética desempeña un papel esencial en la gestión energética; es necesario conocerla, planificar cuidadosamente su uso y ofrecer lo necesario para combatir las crisis de abastecimiento que eventualmente surgen. Este trabajo tiene como objetivo presentar información sobre la matriz y la oferta energética del Estado de Santa Catarina. Se realizó una revisión narrativa mediante el análisis de informes publicados por el gobierno federal, organismos de distribución de energía y entidades que hayan realizado estudios en el área, así como publicaciones científicas (artículos y capítulos de libros) que describan el escenario investigado. Se utilizaron como bases de datos Google Académico y SciElo durante el período de junio de 2022 a marzo de 2023. Como resultados, se verificó que Santa Catarina posee diversas fuentes de energía que forman una sólida red energética, sin embargo, aún se requieren inversiones, interconexión entre las fuentes, equilibrio entre las diversas regiones del estado en lo que respecta a la infraestructura y calidad de la energía recibida para lograr una planificación energética adecuada y que promueva la justicia energética.

Palabras clave: Santa Catarina, matriz energética, energía.

 

Overview of energy supply in Santa Catarina: a narrative review

 

ABSTRACT

The energy matrix plays an essential role in energy management; it is necessary to understand it, carefully plan its usage, and provide what is needed to combat supply crises that may occasionally arise. This work aims to provide information about the energy matrix and supply in the State of Santa Catarina. It was carried out as a narrative review through the analysis of reports published by the federal government, energy distribution agencies, and entities that have conducted studies in the field, as well as scientific publications (articles and book chapters) describing the researched scenario. The Google Scholar and SciElo databases were used as sources of data from June 2022 to March 2023. As a result, it was found that Santa Catarina has various sources of energy that form a strong energy network, however, investments are still needed, as well as interconnection between the sources, equalization among the various regions of the state regarding infrastructure and the quality of the energy received in order to achieve proper energy planning that promotes energy justice.

Keywords: Santa Catarina, energy matrix, energy.

 

 

INTRODUÇÃO

A energia está presente no cotidiano do ser humano, sua utilização é fundamental para a sobrevivência. Por meio do uso da energia é possível realizar o processamento de materiais e atender necessidades humanas. No processamento de materiais, há uso indireto da energia para fabricação. No atendimento das necessidades humanas, há uso direto e principalmente sob a forma de energia elétrica para iluminação, aquecimento, refrigeração, força motriz, entre outros (Reis, 2011).

As fontes de energia precisam ser analisadas, afinal, constituem um dos recursos mais valiosos para um país, uma vez que servem de garantia para a manutenção de processos produtivos, manutenção da oferta interna e influenciam as relações internacionais no que diz respeito à importação (Bezerra, 2016). Além da geração de riqueza, a disponibilidade energética é um fator decisivo para a qualidade de vida dos cidadãos, e quanto mais diversificada é a matriz energética, mais efetivo é o processo de desenvolvimento (Vieira et al., 2019).

Neste contexto, o Estado toma decisões com base na oferta, demanda ou oferta e demanda da energia, realiza previsões, traça cenários demográficos e econômicos, e cria parâmetros de controle (Siqueira & Bermann, 2020). O planejamento energético em um país reflete as diretrizes e objetivos da política energética, além da complexidade e características que o próprio sistema energético venha a ter (Siqueira & Ataíde, 2020).

Desde a revolução industrial, o quadro energético mundial é de uso intenso de combustíveis fósseis, fortes emissores de CO2 e causadores de mudanças climáticas (Filho, 2009). Contudo, é possível ver que, ao longo dos últimos trinta anos, alguns índices começaram a mudar, por exemplo, com o aumento do uso do gás natural (menos poluente que o carvão mineral e os derivados de petróleo), aumento do uso da energia nuclear e de outras fontes de energia que são renováveis (EPE, 2022).

Assim como no quadro internacional, no Brasil, a oferta interna de energia é predominantemente formada por fontes não renováveis (52,6 %) e o principal consumo final é o de derivados de petróleo (40,2 %), seguido da energia elétrica (18,6 %). Contudo, boa parte da oferta interna de energia elétrica vem de matriz renovável, como as fontes hídricas (61,9 %) e eólicas (11,8%), o que representa vantagens em termos de sustentabilidade, mas não sem dificuldades (EPE, 2023). Pelo fato do Brasil ser um país de dimensões continentais, as características físicas, climáticas, o regime pluviométrico e de ventos ocorrem de forma desigual nas diferentes regiões. Desse modo, o planejamento energético nacional observa, além de questões operacionais e estudos de demanda, mas lida também com a complexidade territorial e ambiental (Siqueira & Ataíde, 2020).

Santa Catarina, por sua vez, desponta entre os estados brasileiros por ter elevado a produção de energia elétrica em 30,0 % entre os anos de 2021 e 2022 (EPE, 2023). O estado possui 415 empreendimentos de geração de energia elétrica, entre usinas hidrelétricas, usinas eólicas, termelétricas, centrais geradoras e pequenas centrais hidrelétricas. Também faz forte uso do carvão mineral para produção de energia elétrica e na siderurgia, no entanto, existem diversas implicações ambientais associadas (ANEEL, 2023).

Diante deste cenário, é necessário conhecer a oferta energética para Santa Catarina, pois as informações permitem o correto planejamento energético, reconhecimento de potencialidades e oferecem estrutura para políticas públicas de bem-estar e qualidade de vida para os cidadãos do estado. Com isso, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão narrativa sobre o panorama da oferta energética em Santa Catarina - Brasil.

METODOLOGIA

Este trabalho trata-se de uma revisão narrativa que se propõe a reunir dados a respeito da oferta energética dentro do estado de Santa Catarina - Brasil. Para tal, foi realizado uma busca nas bases de dados Google Acadêmico e SciElo utilizando como descritores e combinação booleana os termos “energia and Santa Catarina” e “oferta energética and região Sul”, sem que houvesse estipulação do período de publicação para os trabalhos.

Foram analisados relatórios publicados pelo governo federal, órgão de distribuição de energia e entidades que realizaram estudos na área, assim como publicações científicas (artigos e capítulos de livros) que descrevem o cenário pesquisado.

A pesquisa ocorreu de junho de 2022 a março de 2023. Os resultados foram apresentados de forma descritiva por item específico da temática investigada, com base nos pressupostos da revisão narrativa.

RESULTADOS

Energia para o bem-estar e desenvolvimento territorial

A energia é vista como insumo de infraestrutura vital devido à sua importância no desenvolvimento territorial e a relevância em diferentes atividades produtivas. Seu nível de consumo é indicador de bem-estar social, de diferenças socioeconômicas e tecnológicas entre diferentes países (Barbosa et al., 2020).

A energia pertence ao grupo dos insumos primários, que são aqueles que mantêm diretamente a produção e entrega de bens e serviços (Boiko et al. , 2009). A falta de infraestrutura energética adequada afeta o desenvolvimento dos sistemas produtivos, que podem ser compreendidos como um conjunto de elementos físicos, informacionais e de operação que estão interligados para produzir bens e serviços (Moreira, 2012).

Segundo o Instituto E+ Transição Energética (2020), o acesso a serviços energéticos de qualidade e consumo de energia sofrem reflexos das disparidades econômicas e isso caracteriza a desigualdade energética. Esse tipo de desigualdade está diretamente relacionado a outros tipos de desigualdade, como social, de renda e gênero. Assim, a desigualdade energética afeta índices de desenvolvimento, pois a energia é necessária para manter serviços básicos como saúde, educação e saneamento.

Quando esses serviços básicos de caráter social e outras funções fundamentais, como iluminação, por exemplo, não são acessíveis ou o acesso não tem a qualidade necessária, existe pobreza energética (Instituto E+ Transição Energética, 2020). Uma das consequências desse tipo de pobreza é a utilização de combustíveis sólidos, como lenha e carvão, que geralmente estão associados a grupos com renda menor (figura 1) (Kowsari & Zerriffi, 2011).

Figura 1

Combustíveis utilizados conforme a distribuição da renda.

 

Nota. Adaptado de Kowsari & Zerriffi (2011).

O termo pobreza energético também pode adquirir significados adicionais de acordo com o estágio de desenvolvimento do país. Em países desenvolvidos, a pobreza energética está associada à dificuldade de acesso ao fornecimento de qualidade, à dificuldade com a manutenção do conforto térmico e o peso dos custos com energia, que variam entre 5% e 10% da renda mensal familiar. Países mais pobres, como os da África subsaariana, aproximadamente 67% da população não possui acesso à energia elétrica e os que possuem sofrem com o elevado custo e instabilidades de fornecimento (Gomes, 2018; Tanaka, 2021).

A participação de todos os cidadãos para influenciar as decisões que os afetam em termos energéticos é essencial para o combate à pobreza energética e para o estabelecimento da democracia energética, o que pode acontecer através do voto, deliberações ou ativismo. A democracia energética não é algo institucional, mas a garantia de que todos tenham acesso adequado à energia, oferecendo à sociedade o direito de opinar sobre a gestão da produção e o acesso a produtos e serviços (Instituto E+ Transição Energética, 2020; van Veelen & van der Horst, 2018).

A democracia energética compartilha da ideia de que crises econômicas e ambientais devem ser abordadas juntas, a produção deve ser gerida pelas comunidades e atribui importância aos serviços de interesse público (Sweeney, 2014).

A manutenção da democracia energética e o combate à pobreza energética formam a base do que é chamado de justiça energética. A justiça energética está relacionada às questões de inclusão, como quem pode participar, quem pode se beneficiar das decisões tomadas, e prevenção de distribuição de energia de má qualidade ou contas elevadas para grupos excluídos (van Veelen & van der Horst, 2018).

Corazza et al. (2022) explicam que a justiça energética é essencial para o desenvolvimento socioeconômico, atendimento de necessidades básicas humanas e pode ser analisada sob três pilares: justiça distributiva – pretende uma distribuição justa do serviço, especialmente em áreas mais carentes e debilitadas do seu acesso; justiça processual – sugere um processo de tomada de decisão, desde a geração até a distribuição que seja mais justo e democrático, envolvendo inclusive, grupos carentes;  justiça do reconhecimento – implica em respeitar e reconhecer comunidades que sofreram danos devido a injustiças ambientais, como comunidades que foram inundadas para a construção de barragens e foram transferidas para áreas totalmente diferentes daquelas que estavam habituados, descaracterizando suas origens.

Assim, quando indivíduos saem da posição de apenas consumidores de energia para empenharem seu tempo, se organizarem coletivamente, participarem das decisões concernentes aos sistemas energéticos, eles estão contribuindo para a justiça energética e formando o caráter de cidadãos energéticos. Os cidadãos energéticos levantam questões que sejam relevantes tanto na esfera pública quanto na privada, são atores políticos e sociais no sistema energético  (DellaValle & Czako, 2022; van Veelen & van der Horst, 2018).

No Brasil, por exemplo, podemos analisar os conceitos apresentados até aqui por meio do Programa Luz para Todos, lançado em 2003. A finalidade do programa foi universalizar o acesso e uso da energia elétrica, o que beneficiou mais de 16 milhões de usuários. Desse modo, pode-se compreender o programa como uma iniciativa de combate à pobreza energética e democratização da energia. Por outro lado, na maioria das regiões do país, o programa apenas redistribuiu a energia vinda das hidrelétricas, cuja origem não reconhece as comunidades lindeiras, como é o caso da comunidade rural que foi reassentada para a construção da usina hidrelétrica de Rosana – SP e isso vai contra os princípios da justiça energética (Corazza et al., 2022).

Outro exemplo seria em Santa Catarina, no início da década de 1980, com a construção da usina hidrelétrica de Itá, que afetou uma área de 141 km², onde parte desse local era área de preservação ambiental, além de atingir 3500 famílias que precisaram ser reassentadas. Atualmente, esta usina é totalmente controlada pela iniciativa privada, evidenciando um retrocesso no processo de democratização (Tonezer et al., 2016).

Além das influências sociais, a energia afeta e é afetada por fatores territoriais. Cataia & Duarte (2022) defendem a perspectiva geográfica como ponto de análise da condição energética, pois as características do território afetam a extração de diferentes recursos para proveito energético e o reconhecimento da soberania territorial é necessário para a priorização do aproveitamento social em relação ao uso mercantil.

A diversidade de situações geográficas e o acréscimo de fontes de energia que estão sendo simultaneamente dinamizadas, por exemplo, são características da formação socioespacial brasileira. Essas características garantem uma matriz energética diversificada, trazendo consequentemente maior segurança energética, pois reduz a dependência de uma única fonte e a necessidade de estabelecer sistemas de complementaridade entre elas. Contudo, ainda é necessário constituir, manter e ampliar macrossistemas de energia que interliguem essas diferentes fontes. A interligação promoveria redução das desigualdades entre regiões provocadas pelas diferentes situações de consumo e outras disparidades. Assim, é necessário reconhecer as particularidades dos principais macrossistemas energéticos no território brasileiro, especialmente o elétrico e de hidrocarbonetos (Cataia & Duarte, 2022).

No estado de Santa Catarina, mais de 80,0 % da matriz elétrica é formada por fontes renováveis, a região Oeste possui grande potencial de geração de energia hidrelétrica (EPE, 2023; Tonezer et al., 2016). No entanto, ainda há muito uso de carvão mineral para a produção de energia, o que altera significativamente a paisagem natural do território em função da poluição dos rios, solo e ar, especialmente na região Sul do estado, onde estão concentradas diversas mineradoras (Ladwig et al., 2018).

Matriz energética e elétrica

A matriz energética corresponde ao conjunto de fontes de energia disponíveis (EPE, 2022) e fornece uma visão global da questão energética de uma localidade quando é relacionada à oferta total de energia, às diferentes formas de consumo e às cadeias energéticas (Reis, 2011).

Apresentado o conceito de matriz energética, é necessário diferenciá-lo de matriz elétrica. Segundo Borges & Zouain (2010) matriz elétrica compreende as diversas formas de geração de eletricidade de modo quantificado, ordenado, observando a disposição futura, é disponibilizada aos processos produtivos e tem por objetivo servir de instrumento para o estabelecimento de políticas de uso estratégico da energia. Ou seja, a matriz elétrica corresponde à parte da matriz energética que será utilizada apenas para a geração de energia elétrica.

Segundo (Raizer, 2009), sistemas energéticos compreendem uma cadeia interligada de etapas de extração, processamento, distribuição e utilização de energia. O estudo dessas atividades, observando-as como um fluxo energético (figura 2), permite uma visão geral das fontes primárias de energia que são predominantes e os setores finais de destinação, como residencial, comercial, transportes, agropecuário, etc. (Reis, 2011; Santos et al., 2021).

 

Figura 2

Fluxo energético em um país.

 

Nota. Adaptado de Energy Education (2017).

 

A energia total que um país possui à sua disposição, o que inclui energia importada subtraindo a energia exportada, formam o que é chamado Oferta Total de Energia Primária (OTEP). O consumo final se refere ao uso da energia por todos os setores, o que inclui o uso não energético, a abordagem utilizada para análise geralmente é feita por setor: industrial, residencial, comércio, público, agricultura e uso não energético (Santos et al., 2021).

A energia primária se refere aos produtos energéticos vindos de forma direta, através da natureza, como energia hidráulica, petróleo, resíduos vegetais e animais, energia solar, eólica, lenha, etc. (MME, 2007; Reis, 2011).

A energia secundária envolve os produtos energéticos que passaram por centros de transformação e que têm por destino vários setores de consumo. Alguns exemplos são óleos combustíveis, querosene, GLP, carvão vegetal, álcool etílico (MME, 2007; Reis, 2011).

O setor de transformação reúne todos os centros de transformação, são nesses centros que a energia primária e secundária passam e são convertidas em outras formas de energia secundária. As refinarias, plantas de gás natural, usinas de gaseificação, centrais elétricas, carvoarias são alguns tipos de centros de transformação. Com isso, a oferta energética refere-se a quantidade de energia que está disponível para transformação ou consumo final (Reis, 2011).

De modo geral, no mundo, a oferta energética é formada principalmente por petróleo, carvão mineral e gás. Os EUA é o país de destaque na produção do petróleo, seus derivados e gás natural,  correspondendo a 17,0 %, 20,0 % e 23,6% da produção mundial respectivamente (EPE, 2022).

A China recebe destaque na produção de carvão mineral (49,7 % da produção mundial) e na produção de energia elétrica por meio de diversificadas fontes: carvão mineral, geração hidrelétrica, eólica, fotovoltaica etc. Esses resultados ocorreram após a redução de barreiras regulatórias, decisão tomada quando o país atravessou severa escassez energética na década de 1980. O investimento público não era suficiente para atender à carência existente, assim foi necessário atrair investimentos privados e estrangeiros. Como consequência, a China teve um salto na oferta energética que foi de 7% aos atuais 23% (EPE, 2023; Li et al., 2020).

O Brasil é o oitavo maior produtor de petróleo e o décimo de seus derivados no mundo, responde por 3,7 % e 2,2 % da produção mundial respectivamente. Outro grande destaque relacionado à produção nacional está na geração de energia elétrica, utilizando hidrelétricas e energia eólica, que são fontes renováveis. A fonte hídrica que corresponde a 53,4 % da oferta interna. O consumo final é destinado principalmente à indústria (37,4 %), seguido do consumo residencial (26,4 %) e do setor comercial (15,7 %). A produção nacional de energia elétrica por geração hídrica atingiu 398 TWh em 2019, estando abaixo apenas da China, que produziu 1307 TWh no mesmo ano. A energia eólica brasileira representou 3,9% da produção mundial, levando o país a sexta posição também em 2019 (EPE, 2022).

Santa Catarina produziu 26793 GWh de energia elétrica em 2022, sendo a principal fonte a hídrica (20538 GWh) seguida da termelétrica (4960 GWh) (EPE, 2023). Atualmente, existem 256 empreendimentos de geração de energia hidrelétrica em operação no estado, 12 usinas, 58 pequenas centrais hidrelétricas e 186 centrais geradoras hidrelétricas (ANEEL, 2023). Boa parte dos empreendimentos de geração hídrica estão concentrados na região oeste, que pertenece à bacia do Rio Uruguai, e constituem mais de 49,0 % da potencia instalada no estado (Tonezer et al., 2016).

Na geração termelétrica existem 123 centrais geradoras em operação, das quais 2 utilizam gás natural, 4 fazem uso de carvão mineral, 29 usam biomassa e 88 utilizam óleo diesel (ANEEL, 2023) .  Atualmente, estão sendo construídas mais duas unidades, uma em Trombudo Central (SC) de propriedade da empresa Beta Produtora de Energia que funcionará com gás natural (Beta, 2023) e outra em Gaspar (SC) (ANEEL, 2023).

A matriz energética e elétrica precisam ser tratadas como bens de natureza estratégica, pois envolvem esferas econômicas, sociais, ambientais e tecnológicas (Borges & Zouain, 2010).  Uma visão ampla da situação energética apóia ações de gestão e planejamento, que orienta o encaminhamento de vários processos ao longo do tempo (Reis, 2011).

Planejamento energético no Brasil e em Santa Catarina

Vieira et al.(2019) explica que o Brasil possui vantagem por sua matriz energética ser em grande parte formada por fontes renováveis e que diversificação da matriz reduz as possibilidades de racionamento energético. No entanto, os autores argumentam que ainda se faz necessário ampliar a participação de outras fontes alternativas complementares que também sejam renováveis, pois isso aprofundaria mais ainda o benefício oferecido pelas características do sistema nacional de geração e operação.

Devido à importância que a energia tem para toda a sociedade, o planejamento torna-se essencial para resolução de conflitos que estejam relacionados com a oferta, demanda, meio ambiente e desenvolvimento econômico. Assim, o levantamento das fontes energéticas mais adequadas em termos tecnológicos, econômicos, sociais e ambientais, a observação do uso racional da energia e a identificação de tecnologias de uso final são indispensáveis para as tomadas de decisão e elaboração de políticas energéticas sustentáveis (Silva & Bermann, 2002). Além disso, para que seja possível prever a curto, médio e longo prazo a oferta e demanda energética é necessário traçar cenários demográficos e econômicos, com base em premissas e parâmetros de controle (Siqueira & Bermann, 2020).

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem por competência legal elaborar estudos e pesquisas, sistematizados e continuados a fim de atender os princípios Planejamento Energético Integrado, que concilia pesquisa, exploração, uso, assim como o desenvolvimento dos insumos energéticos por meio  de uma política nacional e alinhada às diretrizes do governo e às necessidades do Brasil (Ferreira & Machado, 2021).

Segundo Patusco(2000), o Planejamento Energético Integrado aborda diversas questões energéticas como enquadramento no cenário internacional, nacional, regional; o atendimento a todos os locais do país, na qualidade, economicidade e quantidade necessárias; a expansão do Setor Energético em concordância com o desenvolvimento econômico; a expansão do Setor Energético em interação com os demais ministérios; redução dos investimentos em energia por unidade do PIB; sustentabilidade energética e ambiental; dependência externa de energia compatível com contas nacionais; produção interna de energia de forma harmônica com a Economia Mundial; impostos especiais; produção energética compatível com o nível de reservas; racionalização do uso dos recursos de energia.

No Brasil, Foi a partir da década de 70, com a execução do projeto “Matriz Energética Brasileira-MEB”, que houve a primeira experiência com o Planejamento Energético Integrado (Patusco, 2000). Contudo, em decorrência da crise do petróleo, o projeto foi encerrado sem divulgação pública ou resultado parcial.  Em 1975, houve a instituição oficial do Balanço Energético Nacional – BEN. Os estudos sequenciais apresentaram estatísticas dos últimos 10 anos e dados de prospecção para a década seguinte. No mesmo ano, foi criado o Programa Nacional do Álcool e melhoradas as condições para a participação do carvão mineral como parte da matriz energética. Em 1979, foi instituído o Modelo Energético Brasileiro – MEB, um instrumento de política energética que determinava metas a serem alcançadas até 1985. O objetivo principal do MEB era reduzir a dependência energética externa do petróleo, criando metas de produção de petróleo e derivados, carvão mineral, álcool, lenha e carvão vegetal, eletrotermia e em conservação. Com a instituição do MEB o BEN deixou de publicar dados prospectivos de energia(Patusco, 2000), que passaram a ser publicados em outros documentos publicados pelo EPE, como o Plano Decenal de Expansão de Energia.

Em Santa Catarina, a história do desenvolvimento energético é fortemente associada ao processo de eletrificação. Moraes (2019), em seu trabalho, discorre sobre todo o processo de eletrificação no estado e as influências das decisões em nível federal sobre a esfera regional. No período entre 1950 e 1980, destacam-se as atividades da Comissão de Energia Elétrica de Santa Catarina, o Plano Regional de Eletrificação do Estado de Santa Catarina (governo Jorge Lacerda, 1957), o Plano de Obras e Equipamentos – POE (1955-1960), o Plano de Metas do Governo (1961-1965), o PLAMEG (1966-1970), o PLAMEG II (1966-1970) e o Projeto Catarinense de Desenvolvimento – PCD (1971-1974). Essas iniciativas envolveram relevantes investimentos em energia elétrica, inclusive a criação e expansão da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A.

Na década de 80, diversos empreendimentos do setor elétrico entraram em operação e houve avanço nas interligações.  A década de 90 foi marcada por privatizações e com isso, grande participação de capital estrangeiro nas empresas arrematadas. Houve também o risco do desabastecimento durante o governo FHC, que resultou no uso emergencial da termeletricidade e durante este período, Santa Catarina elevou a potência instalada (Moraes, 2019).

Nos anos 2000, o Programa Energia na Região Sul fez investimentos superiores a R$ 1,45 bilhão para a implantação do Sistema de Transmissão Campos Novos – Blumenau; implantação do Sistema de Transmissão Machadinho – Campos Novos; implantação da Usina Hidrelétrica Campos Novos; implantação da Usina Hidrelétrica Quebra-Queixo. Destaca-se também o fim do Programa Nacional de Eletrificação Rural – Luz no Campo e o estabelecimento do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Luz para Todos, que até 2020 realizou 216 mil ligações na região Sul  (EPE, 2021b; Moraes, 2019).

Atualmente, o sistema elétrico em Santa Catarina faz parte do sistema nacional, pois está interligado e grande parte das usinas geradoras pança energia neste sistema. Há várias usinas e uma malha extensa de linhas de transmissão que sustentam as empresas distribuidoras de modo a permitir o alcance total do território (Moraes, 2019).

A seguir são descritas as principais fontes de energia disponíveis no estado de Santa Catarina e informações concernentes a projetos que favorecem o planejamento energético, como o Celesc Rural, o plano de interiorização do gás natural e o incentivo ao desenvolvimento do biogás.

 Energia elétrica

O estado de Santa Catarina é atendido pela Celesc – Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A., sociedade de economia mista que desde 1955 trabalha na geração, transmissão e distribuição de energia. Em 2006, a empresa foi estruturada como holding, com duas subsidiárias integrais: Celesc Geração S.A e Celesc Distribuição S.A (Celesc, 2012).

Em 2020, a Celesc Distribuição S.A. atendeu 3.136.438 unidades consumidoras (EPE, 2021a), distribuídas em 262 municípios, correspondendo a 91,79% do território catarinense. Nos 31 municípios restantes, o atendimento é feito através de 4 concessionárias e 11 permissionárias de distribuição que são supridas pela empresa (CELESC, 2021).

Celesc Rural

O Programa Celesc Rural foi criado com o intuito de atender as demandas dos produtores rurais e melhoras a distribuição de energia no campo por meio da substituição de redes monofásicas por trifásicas (ampliando a capacidade do sistema para a instalação de novos equipamentos) e da instalação de cabos protegidos nas redes próximas à áreas de vegetação, de modo a reduzir o risco de ocorrências causadas por árvores (Celesc, 2019).

O programa criado em 2019 recebeu investimento de mais de R$181 milhões, sendo R$ 123 milhões já licitados e com obras concluídas ou em andamento. Em 2020, foi anunciado que R$ 58 milhões seriam lançados para licitação a fim de viabilizar a instalação de novas redes, contribuindo para beneficiar 229 mil propriedades rurais, das quase 490 mil que já são atendidas pela Celesc D. Todas estas melhorias e permitiram redução de cerca de 90% no número de interrupções, assim como aumento em 95% da confiabilidade do sistema, mesmo com presença de vegetação (Celesc, 2023).

Em 2023, a companhia anunciou o Plano de Investimento com um total de 4,5 bilhões destinados para ampliação do parque gerador, pesquisa e desenvolvimento, eficiência energética, novas tecnologias, responsabilidade e energia para o campo (Celesc, 2023).

Energia eólica

As primeiras pesquisas voltadas para a instalação de energia eólica em Santa Catarina ocorreram após um levantamento realizado pela Celesc, que permitiu elaborar um mapa apontando os melhores locais para a instalação de parques eólicos. Devido a intensidade e regularidade dos ventos, três municípios apresentaram potencial de desenvolvimento da atividade: Laguna, Bom Jardim da Serra e Água Doce (Côrso, 2013).

Em abril de 2002, a Celesc realizou a instalação da primeira turbina no município de Bom Jardim da Serra. Em 2003, houve início da operação do Parque Eólico Horizonte, em Água Doce (Côrso, 2013), dois anos depois, o parque que deu origem ao Complexo Eólico Água Doce, que abrange seis parques, totalizando 86 aerogeradores de 1,5 MW (Costanzo et al., 2013). Atualmente, existem 18 usinas em operação no estado gerando 535 GWh, com capacidade instalada de 242 MW  (ANEEL, 2023; EPE, 2022).

Gás natural

A Companhia de Gás de Santa Catarina - SCGÁS é uma sociedade de economia mista voltada à distribuição de gás canalizado criada em 1994. A SCGÁS iniciou a distribuição do energético nas regiões do Norte, Vale do Itajaí, Grande Florianópolis e Sul de Santa Catarina, regiões mais desenvolvidas no segmento industrial (SCGÁS, 2020a).

 Atualmente, a SCGÁS tem mais de 1260 quilômetros de rede, atende 65 municípios, possui quase 17 mil clientes diretos entre indústrias, residências e postos. Os projetos atuais da companhia envolvem a ampliação da rede em mais de 40% e o aumento de 120% no número de clientes até 2025 (SCGÁS, 2021).

Interiorização do gás natural

Entre os principais projetos da SCGÁS previstos pelo Plano de Negócios da Companhia até 2025 estão o Projeto Serra e a Rede Isolada do Planalto Norte. Os objetivos desses projetos são ajudar a enfrentar as desigualdades regionais e promover a melhor equalização do desenvolvimento socioeconômico no estado democratizando a oferta de gás natural (SCGÁS, 2021).

O Projeto Serra foi iniciado em 2011 e até dezembro de 2020, recebeu investimento de aproximadamente R$ 130 milhões em obras que objetivaram implantar 230 quilômetros de rede e contemplar 16 municípios. Através deste projeto, foi possível criar a rede estruturante de Lages, que iniciou operação em 2020 e que atualmente funciona de forma isolada, ou seja, sem interligação com a rede disponível no restante do estado e é abastecida através de gás natural comprimido (GNC). O próximo projeto de rede isolada será no Planalto Norte catarinense, que receberá investimentos na ordem de 13 milhões em quatro anos para atender as indústrias de papel e celulose (SCGÁS, 2021)

Biogás

A conversão de resíduos orgânicos vindos da agroindústria em biogás contribui para a redução da emissão de gases de efeito estufa à camada de ozônio e meio ambiente, assim como representa um diferencial competitivo na economia, pois reduz a dependência nacional de combustíveis fósseis, fortalecendo as cadeias de valor de inovação tecnológica (Freddo et al., 2019), bem como contribui para o atendimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável da agenda 2030 da ONU, principalmente com os objetivos 9 e 13. De modo geral, por meio da remoção de vapor de água, hidrocarbonetos, amônia, oxigênio, monóxido de carbono, nitrogênio, gás sulfídrico, o biogás pode ser transformado em biometano e pode ser usado como uma alternativa ao gás natural (Ryckebosch et al., 2011).

Segundo Freddo et al. (2019), o estado de Santa Catarina possui rebanho de 8.070.236 cabeças de suínos, lançando 10,1 mi m³/ano de efluente, o que se traduz na capacidade de gerar 817,9 GWh/ano, energia suficiente para abastecer 309.782 residências.

O rebanho bovino do estado possui 2,8 milhões de cabeças que possuem potencial para gerar 793 GWh/ano, capaz de abastecer cerca de 300.378 residências. Sob a possibilidade converter o biogás em biometano, combustível veicular, seria possível substituir 203 milhões de litros de diesel ou 243 milhões de L/ano de gasolina comum (Freddo et al., 2019).

A avicultura possui resíduo suficiente para a produção de 82 mi Nm³/ano de biogás, distribuídos em 79% na região oeste (que possui maior concentração de aves) e 9% no sul do estado. A produção nessas regiões poderia suprir a demanda de 56.652 residências (Freddo et al., 2019).

O processo de industrialização da mandioca gera 1,5 mi m³/ano de efluentes, capazes de produzir 9 mi Nm³/ano de biogás que poderiam ser convertidos em 5 mi m³/ano de biometano. Os abatedouros do estado produzem até 192,3 mil toneladas de resíduo por ano, capazes de gerar 52,9 mi Nm³/ano de biogás caso fossem destinados a digestão anaeróbia. A indústria de fabricação de laticínios e preparação de leite geram 3 mi m³/ano de efluentes, possibilitando  13,2 mi Nm³/ano de biogás (Freddo et al., 2019).

Incentivo ao desenvolvimento do biogás em Santa Catarina

A Eletrosul, no ano de 2007, iniciou o projeto “Alto Uruguai” na região Oeste do estado de Santa Catarina e Norte do Rio Grande do Sul, que recebeu investimento de aproximadamente R$ 2,5 milhões. Assim, foram instalados biodigestores em propriedades que realizavam suinocultura, em especial, na comunidade Linha Santa Fé Baixa localizada no município de Itapiranga. O propósito principal do uso dos biodigestores era evitar a poluição do lençol freático por dejetos suínos e o biogás seria incinerado (Brose, 2021).

Em 2012, a Eletrosul firmou parceria com as Universidades Federais de Santa Catarina e Santa Maria, Fundação CERTI/Florianópolis, Parque Tecnológico Itaipu/Foz do Iguaçu, Embraapa/Concórdia, LACTEC, Prefeitura de Itapiranga, Associação Bioenergia, SCGÁS, Agência Reguladora de Serviços Públicos, Celesc e Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (Brose, 2021).

Essa parceria resultou na proposta Arranjo Técnico e Comercial para Geração de Energia Elétrica conectada à Rede a partir do Biogás oriundo de dejetos suínos no município de Itapiranga em SC que previa a instalação de uma unidade composta por minicentral termelétrica de biogás, um gasoduto e construção de seis biodigestores. O projeto foi iniciado em 2013, o levantamento de dados ocorreu em 2014 e atualmente, a energia resultante é injetada na rede de energia elétrica, o que reduz a conta mensal em até R$ 15 mil para os suinocultores por compensação de energia elétrica. (Brose, 2021).

O comitê SC Biogás, composto por diversos órgãos do estado de Santa Catarina, iniciou seus trabalhos em 2016. O objetivo da iniciativa é produzir energia através dos dejetos suínos a fim de prevenir poluição no meio agropecuário. O comitê vem gerenciando trabalhos e ações para incentivar a implantação do biogás, estando envolvido com proposições e decisões de leis, assim como captação de recursos (Dreger, 2017).

Em 2020, a SCGÁS firmou um termo de cooperação com Centro Internacional de Energias Renováveis-CIBiogás com o intuito de encontrar oportunidades para aplicação de projetos que envolvam o uso do biometano. Estima-se que 400 mi Nm³, volume que corresponde a aproximadamente 60% do gás distribuído pela companhia em 2019, seriam incrementados à rede de distribuição se todo o biogás do estado fosse utilizado na produção de biometano (SCGÁS, 2020b).

Energia Solar

Atualmente as duas principais formas de gerar energia a partir de raios solares são: a fotovoltaica e a heliotérmica. A heliotérmica usa espelhos e lentes que concentram os raios solares em um ponto, aquecem uma solução que gera vapor e ativam uma turbina que é utilizada para produzir eletricidade (Dantas & Pompermayer, 2018).

A fotovoltaica gera energia elétrica por meio de semicondutores que apresentam um fenômeno químico-físico que forma tensão elétrica. A geração distribuída de energia solar é almejada pois apresenta diversos benefícios ao sistema elétrico: baixo impacto ambiental, redução das cargas na rede, diversificação da matriz energética e redução de perdas  (Dantas & Pompermayer, 2018).

Em Santa Catarina, o uso da energia solar ainda é insignificante comparado com outras fontes, contudo o estado conta com a maior usina solar do país, a Usina Fotovoltaica Cidade Azul, com potencial nominal de 3,0 MWp em uma área de 10 hectares (Pizzanelli & Velazquez, 2018) e possui diversas linhas de crédito para o financiamento de instalação de painéis solares para pessoas físicas e jurídicas (FEBRABAN & FGVces, 2018).

Carvão mineral

No solo catarinense, a ocorrência do carvão mineral é de aproximadamente 3,3 bilhões de toneladas e é matriz de 16% da energia elétrica gerada no estado. Durante muito tempo, foi o principal segmento econômico e a atividade está relacionada com o desenvolvimento regional (MME, 2016; Zanette & Camilo, 2018).

Foi uma das primeiras fontes de energia usada em larga escala, mas perdeu espaço para o gás natural e petróleo, cenário que a partir dos anos 70 foi revertido devido à crise do petróleo. Apesar do desenvolvimento econômico, social e político que a extração promove, o processo é responsável por danos ambientais, como áreas degradadas, alterando o meio ambiente (Zanette & Camilo, 2018) como demonstram   Bellettini et al. (2021) ao apresentar parâmetros que indicam incidência de contaminação passivos ambientais da mineração de carvão na água subterrânea nos leques aluviais da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, na Região Carbonífera de Santa Catarina.

Ladwig et al. (2018) explicam que a exploração do carvão mineral deixou um grande passivo ambiental na região carbonífera, Sul do estado de Santa Catarina, que em alguns casos, até hoje se mantém. No auge da atividade mineradora, por volta de 1986, apenas as áreas identificadas de disposição de rejeito somaram 1268,99 hectares. Essa crise ambiental causada pela desregulação do setor carbonífero fomentou a conscientização e a organização de movimentos ambientalistas. Em 1993, o Ministério Público Federal sugeriu a Ação Civil Pública do Carvão, a fim de recuperar os danos causados ao meio ambiente (Carvão, 2023)

O trabalho da ACP pressionou através de sentenças judiciais as indústrias do setor carbonífero a se organizarem para estruturar projetos de recuperação de áreas de depósitos de rejeitos, áreas mineradas a céu aberto, minas abandonadas, desassoreamento, fixação de barrancas, descontaminação e retificação dos de águas (Carvão, 2023). Atualmente, 73 % das áreas terrestres atingidas contam com um cronograma para recuperação ambiental e que podem ser acompanhadas pelo público através do site da ACP do carvão (Arenhart, 2017).

 

CONCLUSÕES

 

Sabe-se que a energia, nas suas mais variadas formas, especialmente a elétrica, afeta diretamente o bem-estar e desenvolvimento de uma região, pois a ausência ou má qualidade no fornecimento impedem o planejamento adequado, o crescimento dos sistemas produtivos e o dia a dia de cidadãos, fortalecendo as desigualdades sociais, regionais e a pobreza energética.

Assim, o conhecimento do panorama estadual é o primeiro passo para a correta gestão, permitindo estruturação de projetos, busca por soluções, adequações e fomento de políticas públicas adequadas às características regionais.  Nesse sentido, Santa Catarina vem buscando reconhecer suas capacidades e a partir disso, tem desenvolvido uma forte malha energética que ampara as mais variadas atividades industriais, comerciais, de transporte, residenciais, entre outras.

No desenvolvimento da energia elétrica, há diversos empreendimentos, especialmente na região Oeste do estado. Existe o reconhecimento das debilidades na distribuição dessa energia para a zona rural e esses desafios vem sendo superados gradualmente através do Celesc Rural e dos planos de investimento. A energia eólica, assim como a solar, mesmo com produção limitada, vem tendo uso crescente ao longo dos anos. A rede de gás natural está continuamente sendo expandida e agora, levada para regiões mais distantes do litoral. Além disso, o estado possui um grande potencial no desenvolvimento do biogás.

Contudo, assim como no restante do país, o estado ainda possui desafios a fim de promover a democratização da energia. Isso inclui fortes investimentos que estejam adequados às necessidades da população, equalização entre as diversas regiões do estado no que diz respeito à infraestrutura e qualidade da energia recebida, mecanismos de interligação entre as diversas fontes de energia disponíveis no estado, entre outras.  

Paralelamente, há uma crescente preocupação com questões ambientais, especialmente as relacionadas ao uso do carvão mineral, responsável por contaminação de afluentes, emissão de CO2 e degradação de áreas. A Ação Civil Pública do Carvão é uma demonstração da força e importância da associação entre poder público e comunidade para a promoção da justiça energética e ambiental. Arenhart (2017) explica que a legitimidade de soluções consensuais sobre políticas públicas está sujeita, sem dúvidas, a permeabilidade das negociações entre grupos que podem ser atingidos e de especialistas no tema. Nesse sentido, a participação da comunidade é de grande importância para que os resultados atingidos sejam correspondentes aos anseios sociais. Isso faz parte do exercício da cidadania catarinense e da cidadania energética.

Por fim, a gestão energética deve ser amparada por estudos aprofundados em nível nacional e local, por projetos que se relacionem com políticas públicas que ampliem o acesso e melhorem a qualidade da infraestrutura oferecida e por um olhar que enxergue as demandas atuais e futuras a fim de alcançar o adequado e correto planejamento dentro do estado.

 

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