Ecoturismo, teoria e prática: diferentes visões no Polo Chapada das Mesas, Maranhão, Brasil.
Celso Maciel de Meira
Mestre em Tecnologia
Prof. do Eixo Tecnológico de Turismo, Hospitalidade e Lazer do
Instituto Federal de Ciência a Tecnologia do Maranhão
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5988-9559
celsotour@gmail.com
Elizabete Sayuri Kushano
Doutora em Geografia.
Profa. do Curso de Tecnologia em Gestão de Turismo da
Universidade Federal do Paraná
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3076-3514
xsayurix@gmail.com
Bruno de Souza Lima
Doutor em Geografia
Prof. do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2469-8226
bruno_mxSL@hotmail.com
Thamires Barroso Lima
Prof. do Eixo Tecnológico Ambiente e Saúde
Instituto Federal de Ciência a Tecnologia do Maranhão
https://orcid.org/0000-0003-3417-4781
thamiresbloc@gmail.com
RESUMO
Historicamente, a relação entre teoria e prática foi objeto de estudo em diversas áreas e inquietação de pesquisadores. Nesse sentido, o presente artigo abordou o segmento de ecoturismo, tendo como objetivo analisar os conceitos de ecoturismo, citados na literatura contemporânea, bem como a visão de agentes de turismo receptivo, que comercializam produtos e serviços ecoturísticos na região turística “Polo Chapada das Mesas”, no sul estado do Maranhão, região nordeste do Brasil. Quanto aos métodos utilizados, aplicou-se técnicas da pesquisa exploratória, com abordagem quali-quantitativa. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário direcionado aos referidos agentes, do município de Carolina-MA. Os resultados da pesquisa revelaram que, ao se analisar a compreensão sobre o ecoturismo dos agentes locais, constatou-se que há um distanciamento de suas práticas em relação aos conceitos de ecoturismo, uma vez que, para além daqueles que desconhecem aspectos basilares e práticos desse segmento, os agentes que afirmaram realizar atividades de educação ambiental, cumprir certificações, estabelecer relações com a comunidade local, demonstram certa incompreensão ao detalhar suas atuações. Assim sendo, nota-se a necessidade de aproximação de pressupostos teóricos de ecoturismo e suas aplicações práticas, possibilitando aos agentes oferecer atividades ecoturísticas genuínas.
Palavras-chave: Agências de Turismo Receptivo, Conservação Ambiental, Patrimônio Natural, Educação Ambiental, Interpretação Ambiental.
Ecoturismo, teoría y práctica: diferentes miradas en el Polo Chapada das Mesas, Maranhão, Brasil.
Palabras clave: Agencias de Turismo Receptivo, Conservación del Medio Ambiente, Patrimonio Natural, Educación ambiental, Interpretación ambiental.
Ecotourism, theory, and practice: different views on Polo Chapada das Mesas, Maranhão, Brasil.
ABSTRACT
Historically, the relationship between theory and practice has been the object of study in several areas and the concern of researchers. This article addressed the ecotourism segment to analyze the concepts of ecotourism mentioned in the contemporary literature, as well as the vision of receptive tourism agents who commercialize ecotourism products and services in the tourist region “Polo Chapada das Mesas,” in the southern state of Maranhão, in the northeast region of Brazil. As for the methods, exploratory research techniques were applied using a quali-quantitative approach. For data collection, a questionnaire directed to these agents from the municipality of Carolina-MA, was used. The research results revealed that, when analyzing the understanding of ecotourism by local agents, there was a difference between theory and the practices concerning the concepts of ecotourism, since, in addition to those who are unaware of fundamental and practical aspects, in this segment, agents who claimed to carry out environmental education activities, comply with certifications, and establish relationships with the local community, showing a certain incomprehension when detailing their actions. Therefore, ecotourism needs to align its theoretical assumptions with its practical applications, enabling agents to offer genuine ecotourism activities.
Keywords: Receptive Tourism Agencies, Environmental Conservation, Natural Heritage, Environmental education, Environmental Interpretation.
INTRODUÇÃO
As últimas décadas do século XX e o início do século XXI evidenciam as crescentes discussões acerta da problemática ambiental e, consequentemente, de possíveis caminhos a serem seguidos para sua mitigação. No caso da atividade turística, o segmento do ecoturismo apresenta-se como uma destas possibilidades de estimular atividades que tragam menores danos aos ambientes em que o turismo é desenvolvido. Nesta concepção, a presente discussão tem como premissa reflexões e análises acerca do ecoturismo e suas práticas no município de Carolina, tendo como base a compreensão dos atores que o desenvolvem, quais sejam, os agentes de viagens locais.
Em relação ao conceito de ecoturismo, conforme Soldateli (2005) e Lima (2021), para que atividades nesse sentido sejam desenvolvidas de maneira plena, se faz necessário incorporar os princípios da sustentabilidade, levando em consideração o fato de que este segmento do turismo deva priorizar a interpretação e o contato com a natureza. Percebe-se que, o conceito de ecoturismo mantém relação com a preocupação do mínimo impacto ao desenvolver suas atividades.
Estes princípios, de acordo com Ceballos-Lascuráin (1996) e Lee & Iwasa (2020), estariam ligados aos seguintes aspectos: promover o estímulo acerca da ética ambiental; adequar-se em uma política de não degradação dos recursos; orientar a atividade em torno do ambiente e não do homem; promover benefícios para a vida selvagem e ao ambiente onde as práticas são desenvolvidas; propiciar o encontro do praticante com o ambiente natural e elementos culturais; integrar as comunidades locais no desenvolvimento, organização e práticas das atividades. Ainda, de acordo com Ceballos-Lascuráin (1996), a satisfação dos praticantes do ecoturismo é medida em função da educação e apreciação proporcionada ao longo das atividades, fato que, pressupõe que este tal público envolvido possua uma preparação prévia acerca dos temas envolvidos na prática deste segmento.
Para Bautista & Yáñez (2017) e Ilizaliturri (2017), o ecoturismo apresenta-se como uma atividade capaz de estimular processos de desenvolvimento local, propiciando o desfrute e conservação de uma região turística.
No polo turístico “Chapadas das Mesas”, dada suas características fitofisionômicas, as atividades turísticas, com vistas ao ecoturismo, vêm sendo ofertadas de maneira expressiva pelas agências receptivas locais. Posto isso, ressalta-se que, em determinados destinos, não raramente, a oferta deste segmento apresenta dúvidas sobre o atendimento dos elementos elencados em seu conceito. Nesse sentido, surgiram algumas inquietações aos pesquisadores participantes deste projeto a partir da seguinte pergunta: qual compreensão dos agentes de turismo receptivo do município de Carolina sobre as atividades práticas no âmbito do segmento de ecoturismo?
Diante de tal indagação, a presente discussão tem por objetivo analisar como os agentes de turismo receptivo do município de Carolina compreendem as atividades ecoturísticas desenvolvidas, de maneira a relacionar suas práticas de acordo com a literatura específica. Além disso, busca-se ainda caracterizar as agências de turismo do município de Carolina-MA, sul do estado do Maranhão, região nordeste do Brasil. Para tais discussões, ressalta-se que, com vistas a analisar a relação entre teoria e prática, buscou-se utilizar autores/referenciais que remetem a produções das últimas décadas, os quais constituem relevantes fundamentos, considerados clássicos, sobre e acerca dos conceitos e práticas de ecoturismo. A justificativa para essa pesquisa aplicada, está na importância dos agentes, pois conforme Swarbrooke (2000, p. 103), “as operadoras de viagens são o ponto de partida para formas mais sustentáveis de turismo”.
Sobre a estrutura da exposição do artigo, além da seção introdução, encontra-se sequencialmente: “o que se entende por ecoturismo” e “conflitos na apropriação do mercado sobre o ecoturismo”, que fazem parte da fundamentação teórica da pesquisa, posteriormente, os procedimentos metodológicos e na sequência, verifica-se a seção que traz a caracterização das empresas e os resultados e discussões. Por fim, observa-se as conclusões e referências.
O QUE SE ENTENDE POR ECOTURISMO
O turismo, enquanto fenômeno social e atividade econômica, ao longo dos anos, têm se apresentado como uma maneira de contrapor a rotina e tensões exercidas pelo cotidiano das pessoas, na maioria das vezes, atrelado às condições de trabalho e demais obrigações diárias. Nesse contexto, o contato com a natureza surge como uma forma de se desligar, mesmo que de maneira temporária dos ambientes urbanos e, assim, promover uma espécie de “retorno às origens” ao dispor de horas ou dias em ambientes diferentes dos característicos da rotina das grandes cidades.
De acordo com McKercher (2002), as atividades turísticas realizadas em ambientes naturais se projetam como práticas exponenciais, dentre as quais estão englobadas atividades ligadas ao ecoturismo, turismo de aventura, turismo educacional, dentre outras possibilidades que possuem na natureza o seu “lócus” de atuação.
O interesse global por temas ambientais fez crescer o desejo das pessoas de experimentar novas e incomparáveis atrações ao ar livre. O anseio por um estilo de vida mais saudável instigou os turistas a abandonar as tradicionais férias de sol, areia e mar por alternativas mais movimentadas [interativas]. Os viajantes bem informados estão de olho em atividades mais significativas; a expectativa dos viajantes sofisticados é de que suas férias correspondam às necessidades pessoais da mais alta ordem. (Mckercher, 2002, p.17).
Nesse sentido, o ecoturismo se apresenta como uma dessas possibilidades de contato com os ambientes naturais, propondo não apenas o contato com a natureza, mas compreendê-la e estimular a importância de sua conservação e fruição por meio da prática turística.
O termo "ecoturismo" teve sua origem na década de 1960 do século passado. Foi utilizado para "explicar o intricado relacionamento entre turistas e o meio ambiente e culturas nos quais eles interagem" (Hetzer, 1965 apud Fennell, 2002, p. 42).
Para Wearing & Neil (2001), “Hector Ceballos-Lascurain é amplamente reconhecido como o primeiro a usar o termo ecoturismo. Em 1981 Ceballos-Lascurain começou a usar o termo espanhol Turismo Ecológico para designar essa forma de turismo. Então, em 1983 o termo se reduziu para ecoturismo” (p. 5).
Na visão de Soldateli (2005), para que o conceito de ecoturismo seja desenvolvido de maneira plena, é necessário incorporar os princípios da sustentabilidade, levando em consideração o fato de que, este segmento do turismo deva priorizar a interpretação e o contato com a natureza. Nesse contexto, percebe-se que, o conceito de ecoturismo mantém relação com a preocupação do mínimo impacto ao desenvolver suas atividades.
Estes princípios do ecoturismo, de acordo com Ceballos-Lascuráin (1996), estariam ligados aos seguintes aspectos: promover o estímulo acerca da ética ambiental; adequar-se em uma política de não degradação dos recursos; orientar a atividade em torno do ambiente e não do homem; promover benefícios para a vida selvagem e ao ambiente onde as práticas são desenvolvidas; propiciar o encontro do praticante com o ambiente natural e elementos culturais; integrar as comunidades locais no desenvolvimento, organização e práticas das atividades. Ainda, de acordo com o autor, a satisfação dos praticantes do ecoturismo é medida em função da educação e apreciação proporcionada ao longo das atividades, fato que, pressupõe que este tal público envolvido possua uma preparação prévia acerca dos temas envolvidos na prática deste segmento.
O ecoturismo, de acordo com as Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo (Brasil, 1994), publicadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com a EMBRATUR e o IBAMA, é um segmento turístico “que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações”. Nesta concepção, autores como Diaz-Christiansen, Pérez-Gálvez & Correa (2017), Dowling & Newsome, (2018), Guerrero et al. (2020), Tomić et al., (2021) e Hasana et al. (2022) têm estabelecido discussões sobre a conceituação de ecoturistas, motivações e suas relações com os ambientes visitados.
Sobre tal conceituação, Urry (2001) indica que, o turismo praticado no ambiente natural, principalmente quando ligado a termos como “turismo verde” ou “ecoturismo”, geralmente está associado aos princípios conservacionistas, visando sustentabilidade da atividade em prol das futuras gerações. O viés de conservação relacionado com essas práticas turísticas estaria ligado a promoção da ética ambiental, a não degradação do recurso, preocupação com o ambiente, o benefício da vida selvagem, a promoção do encontro com o ambiente natural e cultural, bem como envolver as comunidades locais, conforme indica Ceballos-Lascuráin (1996).
Portanto, nota-se que, o ecoturismo não preza apenas pela conservação dos ambientes naturais em seu aspecto físico, mas sim que, considera também para a importância do aspecto cultural nas atividades, as quais primam pelo bem-estar e manutenção das culturas existentes nos diferentes destinos, propiciando que as comunidades locais de tais destinos possam ser incorporadas às práticas do ecoturismo.
Do ponto de vista da sustentabilidade, Wearing e Neil (2001, p. 10), recomendam ao ecoturismo quatro elementos fundamentais para sua concepção, visando sua sustentabilidade. O primeiro ponto a ser observado é a noção do movimento ou a viagem de um lugar para outro. Este movimento característico do turismo deve ser essencialmente em ambientes naturais, considerando que o ecoturismo tem na natureza sua razão de existir.
Em segundo lugar, considera o ambiente como base para a atividade ecoturística, ou seja, qualquer forma de turismo que não tiver em foco a experiência e as vivências do ambiente que se visita não pode ser considerada ecoturismo. Tal concepção ressalta o deslocamento do homem para áreas que possuam menores índices de intervenções, possibilitando uma melhor compreensão e interação com os ambientes visitados (Wearing e Neil, 2001).
Destarte, é considerado prática da atividade aquelas que buscam estudar, desfrutar ou prestar ajuda voluntária ao ambiente visitado, e, também, o envolvimento das pessoas que vivem no entorno de uma área ecoturística, buscando atender suas necessidades, respeitando sua cultura e relacionamento harmonioso com o meio ambiente.
Além disso, pode-se considerar prática do ecoturismo as viagens que auxiliam o meio ambiente natural reabilitando áreas degradadas. Como, por exemplo, tem-se as viagens para auxílio de limpeza nos vazamentos de petróleo, limpeza de rios e no auxílio às comunidades ribeirinhas, visto que assim há uma contribuição clara tanto para ambiente como para as comunidades autóctones que vivem no seu entorno.
Como terceiro ponto, indica-se que o ecoturismo é considerado indutor da conservação. Contrapondo o turismo massivo, que segrega e extingue culturas e ecossistemas. O ecoturismo nasceu com o objetivo de levar pequenos grupos à áreas naturais ou de proteção, com um mínimo de impacto sobre os ambientes físico, social e cultural. Além de buscar conservar, o ecoturismo traz a ideia de contribuição para o futuro sustentável da destinação turística, o que ocorreria na forma de retorno econômico ou assistência voluntária (Wearing e Neil, 2001).
De acordo com Swanson (1992), “o ecoturismo apresenta a possibilidade de promover a conservação dos recursos naturais por meio da crescente consciência das pessoas para a importância desses recursos” (p. 2), o que implica na inclusão da noção de conservação na definição de ecoturismo.
A quarta ideia a ser considerada, desta vez como definição para o ecoturismo, seria que este segmento turístico possua um papel educativo. O ecoturista busca experiências mais significativas com a natureza. Dessa forma, sua ênfase recai sobre a apreciação, educação e interpretação da natureza, explicando os conceitos, significados e inter-relacionamento com os fenômenos naturais. O ambiente natural é peça chave para a satisfação de uma necessidade educacional na qual o ponto de aprendizagem é a interação do homem com o meio (Wearing e Neil, 2001).
Entretanto, espera-se que as destinações e empresas ofertantes de produtos e serviços ecoturísticos atinjam um nível de conhecimento e que se compartilhe esse conhecimento com os turistas, em geral por meio de técnicas de gestão relacionadas às preconizações supracitadas.
Ademais, a gestão responsável dos recursos naturais e o respeito à preservação da identidade cultural de populações nativas tem servido de instrumento de pressão aos anseios e necessidades de desenvolvimento de muitos países, regiões e comunidades. Nesse sentido, as comunidades locais têm a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre a região, usos e costumes. Estimulando, assim, a apreciação renovada da singularidade de suas próprias tradições culturais.
CONFLITOS NA APROPRIAÇÃO DO MERCADO SOBRE O ECOTURISMO
Os movimentos ambientalistas, iniciados em meados dos anos de 1960, realizados em prol das discussões sobre as problemáticas que vinham (e ainda vêm) causando impactos aos diferentes ambientes do globo, estimularam uma série de debates visando propor soluções para as diferentes problemáticas, quais sejam: a fome, os desmatamentos, a exploração de trabalho infantil, a contaminação dos recursos hídricos, dentre outras.
No bojo dessas discussões, um conceito foi fortemente estimulado em 1972, na Conferência de Estocolmo: o desenvolvimento sustentável. A disseminação deste conceito abarcou diversos segmentos econômicos, dentre os quais, o turismo. Nesse sentido, uma das formas de estimular ações com vistas à sustentabilidade na atividade turística foi por meio do ecoturismo, atividade que se considera ter princípios nos horizontes do desenvolvimento sustentável.
A partir destas discussões, observou uma crescente procura por destinos ecoturísticos, bem como aumentaram a oferta de atividades ligadas ao segmento. Além disso, a possibilidade do desenvolvimento do ecoturismo enquanto atividade com apelo sustentável em unidades de conservação ampliaram a importância do desenvolvimento de tais atividades.
Acredita-se que a grande problemática desta expansão foi o considerável valor econômico atribuído ao ecoturismo, fato que culminou no uso indiscriminado da atividade em relação ao conceito. Em outros termos, com razoável certeza, pode se afirmar que muitas atividades vêm sendo desenvolvidas sob a nomenclatura do ecoturismo, todavia, não apresentam os requisitos para serem consideradas como tais.
Esta reflexão tem como base o fato de que, o turismo em ambientes naturais nem sempre possui como principal motivação a conservação das áreas onde ocorre. Nesse sentido, Azevedo (2003) aponta ser equivocado tratar todas as modalidades de turismo que ocorrem na natureza enquanto atividades que visem à conservação, tal qual acontece no ecoturismo, por exemplo. É importante ressaltar que, o turismo de maneira geral, deve (ou deveria) primar pela minimização de impactos negativos seja qual for o segmento em questão, entretanto, o ecoturismo é estabelecido como um segmento permeado por princípios e filosofias que estabelece seu caráter conservacionista.
Reforçando o exposto acima, Eichenberg (2013) lembra que, com exceção ao ecoturismo, o desenvolvimento das demais atividades em ambientes naturais, não necessariamente são tomadas pelas concepções da sustentabilidade. Exemplo deste fato é o turismo de aventura, o qual apesar da interação com a natureza possui outras intencionalidades em sua prática, como a busca por riscos controlados e a superação do medo, por exemplo. Sendo assim, o autor salienta que enfoques diferentes na interação entre a prática turística na natureza podem distanciar ou aproximar do mínimo impacto e da sustentabilidade.
A respeito dessa problemática, Soldateli (2005) fortalece a discussão do tema chamando atenção para dois pontos. O primeiro é o fato de que nem sempre as atividades em contato com a natureza possuem o mesmo interesse pela conservação que o ecoturismo, ou seja, o turismo de maneira geral pode primar por uma série de interesses os quais não necessariamente estejam atrelados em um primeiro plano a sustentabilidade da atividade. O segundo ponto é o fato que, o ecoturismo vem sendo cada vez mais promovido em função de seu grande apelo comercial, fato que, em muitos casos, descaracterizando totalmente as atividades ecoturísticas tendo como base seus princípios e conceitos.
Nota-se que, tais concepções acerca do segmento de ecoturismo, estaria em muitas ocasiões, o descaracterizando e, assim, deixando de lado seu caráter conservacionista, característica que fundamenta sua prática. Este equívoco no trato da atividade ecoturística possui relação com o “modismo” de sua prática, instigando seus participantes pelo fato de serem atividades em voga. Esta visão pode colocar em risco os ambientes onde estas práticas vêm sendo realizadas, tendo em vista o fato de que, geralmente são exercidas em ambientes frágeis (Lima, 2017).
Contraponto esta vulgarização do conceito de ecoturismo, Soldateli (2005) ressalta que, para que esse segmento ocorra, é de suma importância a adoção dos princípios da sustentabilidade, uma vez que, seu desenvolvimento possui ligação com o contato e a interpretação da natureza. Nesse sentido, o ecoturismo, possui no cerne de seu conceito a preocupação com o mínimo impacto ao longo das práticas de suas atividades.
Ressaltando sobre a importância do ecoturismo enquanto segmento, este é considerado algo tão específico que, para Silva (2006), o trato como uma tipologia não é possível, visto que, este possibilita agregar outras tipologias dentro do conceito ecoturístico, as quais possam ser consideradas inclusive aquelas que não possuem exclusivamente a natureza como sua matéria-prima, como por exemplo, a contemplação de aspectos culturais.
Com relação as atividades ligadas ao ecoturismo, Boo (1990) indica que, estas podem compreender desde simples passeios em parques, bosques até a vista e contemplação de áreas remotas que apresentem características únicas. De maneira geral, no ecoturismo, destacam-se as atividades ligadas a interpretação ambiental dos ambientes designados para suas práticas, as quais têm aumentado consideravelmente enquanto hobby para as pessoas e, consequentemente, ampliando a quantidade de praticantes destas atividades.
Na visão de Galvão (2004), só pode ser considerado ecoturista, o praticante que ativamente possua a preocupação com a conservação e interpretação da natureza, de maneira que, ao praticar as atividades propostas pelo segmento, haja de maneira a auxiliar no desenvolvimento e manutenção do local em que esteja visitando, buscando não apenas vivenciar sua prática, mas que possa assim entender os processos que envolvam a natureza observada.
Em meio a essas discussões, Silva (2006) chama a atenção para o fato de que, efetivamente, são poucos os locais no Brasil que desenvolvem uma prática do ecoturismo “pura”, ou seja, que abarque de maneira plena todos os princípios e as filosofias do segmento. Segundo o autor, toda atividade realizada em ambientes naturais passou a ser indiscriminadamente designada como ecoturismo. Sendo assim, ressalta-se a importância para as especificidades da atividade ecoturística em detrimento as demais atividades realizadas em ambientes naturais.
No Brasil, percebe-se cada vez mais o crescimento de deslocamentos para destinos ligados às áreas naturais, como por exemplo: balneários, áreas rurais ou outros locais remotos, que possuem em comum um grau mínimo de conservação, e que possibilita o afastamento dos grandes centros urbanos. Sendo assim, tais deslocamentos nem sempre possuem enfoque conservacionista, acarretando uma série de impactos aos ambientes em que estas práticas ocorrem (Lima, 2017).
Verticalizando a discussão para uma perspectiva de mercado, nota-se que, a comercialização de produtos ecoturísticos nem sempre oferecem atividades pautadas no comprometimento e realização das práticas que o conceito sugere, uma vez que, a condição econômica imediatista se sobrepõe aos aspectos sociais, ambientais e culturais da atividade. De outro lado, em oposição aos apelos exclusivamente mercadológicos, a educação ambiental seria uma importante ferramenta na tentativa de reverter esta sobreposição econômica, atuando na promoção da sustentabilidade do ecoturismo (Bueno, 2006).
Na concepção de Hintze (2012), o principal objetivo do ecoturismo-mercadoria não é o foco no ambiente, mas sim na satisfação do cliente, colocando suas necessidades e anseios em primeiro lugar, uma vez que, ele atua na atividade por meio do pagamento de serviços. Para o autor, a sobreposição do dinheiro pago pelos turistas cria a falsa impressão do tão sonhado “desenvolvimento” das comunidades locais.
Em se tratando do perfil do ecoturista, foi realizada a pesquisa Perfil do Turista de Aventura e do Ecoturismo no Brasil, 2009 (Brasil. Ministério do Turismo, 2010), que indicou alguns relevantes aspectos a serem considerados na composição da oferta turística ligada ao referido segmento. Nesta discussão, foi indicado três níveis de envolvimento dos turistas com a natureza. O primeiro, relaciona a natureza como algo “admirável”, “intocável”, “santuário”, privilegiando atividades ligadas a observação/contemplação. Em um segundo viés, a natureza é vista como algo surpreendente, passível de interação. Já o terceiro aspecto liga-se a um maior envolvimento entre turistas e comunidade local. No que tange ao sentido da viagem, a pesquisa destacou que, os turistas ligados a esse segmento buscam fugir da rotina, distanciar-se do trabalho, estresse e violência, busca por descanso e a busca pelo prazer e retorno às origens.
Em relação às questões ambientais, as políticas nesse sentido, assim como as políticas de turismo, cada vez mais atuam de maneira aproximada. No entanto, nota-se que, a concepção aplicada ao meio ambiente no que tange ao turismo continua sendo caracterizada como insumo ou recurso para o desenvolvimento de suas atividades e, consequentemente, tomado como mercadoria a ser explorada pelo setor, representada na conjuntura das praias, das diferentes formas de relevo, da hidrografia etc. Nesse contexto, a relação se dá em função da apropriação das paisagens para a obtenção de ganhos monetários. Dessa forma, nota-se que a natureza passa a ser observada como um objeto externo ao homem (Sansolo, 2009).
Além da apropriação da natureza enquanto produto comerciável, em muitas ocasiões outro aspecto também é deixado em segundo plano na oferta de produtos ecoturísticos: as comunidades locais. Sobre esta condição, Hintze (2012) discorreu que:
Para as comunidades receptoras, as imposições propostas pelo mercado vêm com a necessidade da adequação de seu modus vivendi e da adaptação de seu lugar de vida para o atendimento às demandas das operadoras e seus clientes. Uma vez que as pessoas do lugar, seus nomes, seu jeito de falar, sotaque, cultura, alimentação, artesanato tornam-se produtos ecoturísticos, eles entram na dinâmica de mercado e vêm a participar do processo da oferta e da demanda mercadológica, ou seja, da concorrência capitalista. Assim, eles passam a ser tudo, menos o que eram em seu sentido tradicional. Estas vidas, lugares e expectativas não são mais simples fenômenos naturais ou sociais, mas produtos de uma elaboração discursiva industrial. (P. 15)
Nesse sentido, a inclusão das comunidades locais, pertencentes aos destinos designados para as práticas do ecoturismo, efetivamente, muitas vezes não ocorre. Quando muito, o envolvimento desses grupos é resumido ao uso de sua mão de obra em atividades marginais de suporte ao ecoturismo, como por exemplo: serviços gerais, manutenção de equipamentos, vigilância do atrativo, dentre outras ocupações. Uma relação desse tipo com as comunidades locais apresenta-se opostas àquelas indicadas pelos princípios e filosofias do ecoturismo, que primam pelo envolvimento direto desses grupos, tanto na gestão, quanto nas práticas das atividades relacionadas ao segmento.
Com base no exposto, a pesquisa que se segue busca estabelecer relações entre os conceitos de ecoturismo antepostos e a visão dos gestores das empresas turísticas que apresentam seus produtos e serviços como sendo ecoturísticos na Região “Polo Chapada das Mesas”.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa trata-se de uma investigação exploratória, com abordagem quantitativa e qualitativa. A pesquisa exploratória busca aperfeiçoar hipóteses, testar instrumentos tendo em vista à aproximação com o objeto de estudo e o locus de investigação. Em outros termos, parte de um estudo inicial no sentido da familiarização com a pesquisa (Gil, 2008).
Sobre a pesquisa quantitativa, optou-se em razão da intenção de sistematizar os resultados de forma numérica, que se refere a um método de análise dos dados que tem como escopo a objetividade, recorrendo à linguagem matemática, mensurável no sentido de revelar os resultados obtidos. Quanto à abordagem qualitativa, considera-se em função de se natureza se constituir por meio da interpretação dos dados e pela descrição destes de forma não objetiva (Gerhardt & Silvera, 2009).
Sobre o instrumento de coleta de dados, foi confeccionado um questionário em duas seções: a primeira em busca de caracterizar as agências de turismo enquanto empresas e segunda seção com o intuito de apurar concepções, que em outras palavras, visou a compreensão sobre ecoturismo, por parte dos agentes de viagem, tendo como base as abordagens teóricas sobre ecoturismo, em literatura específica. Para aplicação do questionário, foram realizados contatos prévios com os agentes de turismo a fim de detectar suas disponibilidades, com a intenção de otimizar a coleta de dados e à obtenção de respostas que expressassem a realidade concreta.
Com o intuito de respeitar as medidas de distanciamento social, devido a pandemia da COVID-19, os questionários foram aplicados por meio da plataforma Google Meet, para 33 agentes, nos meses de novembro e dezembro de 2021. Os dados coletados foram tabulados e os gráficos desenvolvidos com aplicação dos recursos do programa Microsoft Excel.
Em síntese, o desenvolvimento da pesquisa se deu da seguinte forma: revisão do referencial teórico, identificação dos gestores do segmento de agências de turismo local, elaboração dos questionários, aplicação dos questionários, compilação, tabulação, discussões e considerações a partir dos dados obtidos.
Quanto às características da área de estudo, o Polo Chapada das Mesas, com destaque para os municípios de Carolina e Riachão, tem sido considerado como destino emergente no cenário nacional e internacional, notadamente por suas características fitofisionômicas, do bioma cerrado, dado o relevo acidentado, paisagens cênicas e diversas quedas d’agua, principais motivações de fluxos turísticos.
CARACTERIZAÇÃO DAS EMPRESAS AGÊNCIAS DE TURISMO RECEPTIVO
Referente ao início das atividades das empresas: 43% iniciaram a partir do ano de 2020, 32% entre os anos de 2013 e 2019 e 25% anterior ao ano de 2012, sendo a mais recente do ano de 2021 e com mais tempo de mercado, uma agência remonta ao ano de 1987.
Sobre o tempo de experiência com o ecoturismo, 29% dos agentes têm mais de 10 anos, 18% dos agentes entre 5 e 10 anos e 29% dos agentes tem entre 1 e 5 anos.
Concernente ao nível de instrução dos agentes, 7% são formados em nível de pós-graduação e 57% possuem formação superior, em áreas distintas ao turismo e hospitalidade. Com formação em ensino médio, perfazem 29%, dentre os quais: 7 agentes responderam ter formação como técnicos em guia de turismo e 14% possuem ensino fundamental.
Em relação ao quantitativo de pessoal de cada empresa, apurou-se que 36% das agências não têm colaboradores, isto é, funcionam somente com seus proprietários. Referente às demais empresas: 32% têm dois colaboradores, 25% contam três colaboradores e 7% têm 5 colaboradores.
No tocante aos segmentos de atuação das agências, de forma majoritária, os respondentes afirmaram que ecoturismo faz parte de suas atividades. Além do ecoturismo, 25% dos agentes disseram que o turismo rural, o turismo náutico e o turismo cultural fazem parte de suas atuações de mercado.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
De maneira a organizar as respostas, os resultados dos relatos dos agentes são indicados por meio da expressão “(A nº)”, de maneira que diferencie o sujeito respondente, preservando assim o anonimato dos participantes.
Referente às atividades ecoturísticas ofertadas, 28% dos agentes não souberam responder especificamente quais atividades desenvolvem. Após o agrupamento das respostas dos demais participantes (60%), apurou-se que desenvolvem as seguintes atividades: caminhadas por meio de trilhas, visitas às cachoeiras e passeios de bicicletas. Ademais, 12% dos agentes disseram que desenvolvem:
“Turismo de experiência envolvendo os nativos da região em seu contexto cultural, trekking com desenvolvimento de apresentações da fauna e flora”. (A15)
“Trilhas, camping e experiência rural.” (A19)
“Trilhas interpretativas e visitas às cachoeiras.” (A25)
Em face ao exposto, se estabelece relações com o estudo de McKercher (2002), tendo em vista que as atividades turísticas realizadas em ambientes naturais cada vez mais se projetam como práticas exponenciais, que estão englobadas em atividades ligadas ao ecoturismo, turismo de aventura, turismo educacional, entre outras possibilidades que possuem na natureza em seu lócus de atuação.
Concernente ao alinhamento dos produtos e serviços ofertados às políticas de proteção ao meio ambiente, 8% dos agentes responderam que isso ocorre de forma parcial e 92% dos participantes afirmaram que os desenvolvem nessa direção. Entretanto, não detalharam de que forma suas práticas se alinham à referida política.
Outro aspecto importante no trato das atividades ecoturísticas relaciona-se com as certificações das atividades, as quais possibilitam um maior direcionamento para uma efetiva implantação do turismo responsável. Sobre certificação às atividades desenvolvidas, expõe-se o gráfico que se segue:
Figura 1:
Possuem certificação para as atividades desenvolvidas.
Fonte: dos autores (2021)
A seguir, lista-se algumas respostas dos agentes que afirmaram contar com certificações para suas atividades:
“Sim, os condutores possuem credenciais, cursos atualizados de guiamento e primeiros socorros.” (A9)
“Sim, curso promovido pelo SEBRAE, capacitação de turismo na Chapada das Mesas e condutor ambiental pelo IFMA.” (A18)
“Sim, as atividades são desenvolvidas com base no Programa Aventura Segura (Normas técnicas com base na ABNT). Não conseguimos a certificação final porque o programa do governo finalizou a formação.” (A23)
"Sim, seguimos as orientações da ISO, mas nunca pagamos para a empresa ser certificada.” (A28)
Ao analisar as respostas supramencionadas, apura-se que há incompreensões, para alguns agentes, sobre certificações para desenvolvimento de atividades ecoturísticas. No entanto, embora para outros haja compreensão sobre o assunto, apurou-se que suas atividades não são certificadas. Posto isso, constata-se como realidade a resposta de um dos agentes, que comentou sobre certificações das atividades desenvolvidas da seguinte forma:
"Não há certificações, assim como na grande maioria de agências pertencentes ao destino Chapada das Mesas". (A3)
Referente ao desenvolvimento de programas ou práticas de educação ambiental, 75% dos agentes afirmaram que tais critérios são considerados na comercialização de seus produtos e serviços. Nesse sentido, verificou-se respostas como:
“Temos um cuidado especial com o lixo, estamos atentos ao desmatamento e com relação a queimadas”. (A3)
“Conscientizar os visitantes para não jogar lixo, não arrancar flores e não riscar as pedras.” (A12)
“Recolher lixos, informações, cuidados, trilhas, cuidados com a geodiversidade.” (A27)
“Cartilhas, cartão de segurança, placas com informações sobre o que levar, o que pode ou não fazer na trilha. Orientamos os turistas para não deixarem resíduos nas trilhas”. (A28)
Quatorze (14%) dos participantes da pesquisa responderam que educação ambiental faz parte do desenvolvimento de suas práticas, mas não souberam especificar quais. Somente um agente não utiliza os referidos critérios.
Figura 2 :
Uso de conteúdos relacionados à educação ambiental durante as atividades.
Fonte: dos autores (2021)
Em relação aos conteúdos, apurou-se ações pontuais relacionadas à preservação ambiental e cuidados com o lixo produzido, citadas pelos agentes como se seguem:
“Damos sempre orientações aos nossos clientes, principalmente com relação ao lixo produzido.” (A5)
“Orientação dos visitantes com relação a mínima interferência da visita no ambiente natural e inclusive o cuidado com animais silvestre.” (A5)
“Tentamos durante os passeios vamos abordando a importância dos cuidados com a preservação do meio ambiente.” (A8)
“Aconselha clientes, mas os clientes já vêm sabendo, sempre orientado, buscam sacos plásticos.” (A11)
O ecoturista busca experiências mais significativas com a natureza. Dessa forma, sua ênfase recai sobre a apreciação, educação e interpretação da natureza, explicando os conceitos, significados e inter-relacionamento com os fenômenos naturais (Wearing & Neil, 2001). Com efeito, espera-se que as destinações e empresas ofertantes de produtos e serviços ecoturísticos atinjam um nível de conhecimento e que se compartilhe esse conhecimento com os turistas, em geral por meio de técnicas de gestão relacionadas às preconizações supracitadas.
No tocante ao envolvimento da comunidade local nas atividades desenvolvidas pelas agências, noventa e dois por cento (92%) afirmaram que ocorre participação, por meio de incentivos à compra de produtos alimentícios, artesanatos e serviços:
“Em nosso trabalho nos passeios fazemos divulgação dos produtos, do artesanato, culinária etc.” (A4)
"Levando turista a casa de regionais no parque para comprar comidas típicas." (A12)
“Com artesanato, produtos medicinais, produtos de pequenos produtores rurais”. (A19)
“Todos os colaboradores pertencem a comunidade local.” (A23)
“Contrata-se apenas moradores da comunidade.” (A28)
Para além dessas participações basilares na oferta de produtos ecoturísticos, considera-se, para real envolvimento das populações locais, a citação de Hintze (2012, p. 15):
Para as comunidades receptoras, as imposições propostas pelo mercado vêm com a necessidade da adequação de seu modus vivendi e da adaptação de seu lugar de vida para o atendimento às demandas das operadoras e seus clientes. Uma vez que as pessoas do lugar, seus nomes, seu jeito de falar, sotaque, cultura, alimentação, artesanato tornam-se produtos ecoturísticos, eles entram na dinâmica de mercado e vêm a participar do processo da oferta e da demanda mercadológica, ou seja, da concorrência capitalista. Assim, eles passam a ser tudo, menos o que eram em seu sentido tradicional. Estas vidas, lugares e expectativas não são mais simples fenômenos naturais ou sociais, mas produtos de uma elaboração discursiva industrial.
Nesse sentido, a inclusão das comunidades locais, pertencentes aos destinos designados para as práticas do ecoturismo, efetivamente, muitas vezes não ocorre. Quando muito, o envolvimento desses grupos é resumido ao uso de sua mão de obra em atividades marginais de suporte ao ecoturismo, como por exemplo: serviços gerais, manutenção de equipamentos, vigilância do atrativo, dentre outras ocupações. Uma relação desse tipo com as comunidades locais apresenta-se opostas àquelas indicadas pelos princípios e filosofias do ecoturismo, que primam pelo envolvimento direto desses grupos, tanto na gestão, quanto nas práticas das atividades relacionadas ao segmento.
Referente à formação às atividades ecoturísticas, 85% dos agentes responderam que, tanto eles como seus colaboradores, possuem algum tipo de qualificação. Formações como: guia de turismo regional, guia de turismo nacional, condutor e brigadistas foram mencionadas.
Sobre os atrativos onde desenvolvem suas atividades, 57% dos agentes responderam estar integrados à natureza e 43% dos agentes disseram que apenas em alguns.
Entre os agentes que consideram o ecoturismo como alternativa para minimizar os impactos da sazonalidade, verificou-se as seguintes respostas:
“No sentido de combater capaz de combater o fluxo de massa.” (A23)
“Trabalhamos com o ecoturismo tanto na alta quanto na baixa temporada e consideramos que isso pode minimizar os impactos da baixa temporada. Na baixa temporada ocorre o ecoturismo por não ter turismo de massa”. (A28)
E entre aqueles agentes que não consideram o ecoturismo como alternativa para minimizar os impactos da sazonalidade, verificou-se as seguintes respostas:
“As chuvas atrapalham.” (A1)
“O ecoturismo sofre bastante com o período das chuvas, falta eventos para atrair os turistas”. (A10)
Figura 3:
Ecoturismo utilizado como alternativa para diminuir os impactos da sazonalidade.
Fonte: dos autores (2021)
Como se percebe há divergências entre aqueles agentes que consideram ou não o ecoturismo como alternativa para diminuição dos impactos da sazonalidade. Uma possível explicação para os agentes que não veem o ecoturismo como alternativa à sazonalidade, atribuindo às chuvas esse fato – quando não é possível utilizar os recursos naturais como em estação não chuvosa –, seria desconhecimento das características do ecoturista, que difere dos demais turistas, que não raramente não consideram fatores climáticos, mas sim as experiências que vivenciar no destino.
Concernente às parcerias, segundo os agentes, ocorrem, em sua maioria, por meio indicações e compartilhamentos de transporte. Nesse sentido, assim responderam:
“Quando temos clientes para algum roteiro e não temos vagas passamos para a empresa que tem disponibilidade”. (A3)
“Quando há excesso de demanda, encaixamos clientes em passeios de outras empresas”. (A9)
“Compartilhando transporte com outras agências”. (A11)
“Com indicação de clientes”. (A28)
Figura 4:
Parcerias com empresas do mesmo segmento.
Fonte: dos autores (2021)
Posto isso, depreende-se que há uma relação de cooperação entre os agentes. Tais ações vem ao encontro da gestão de suas empresas, podendo reverberar como efeitos positivos tanto à oferta como à demanda. Em resumo, minimizando custos operacionais para estes e diminuindo os preços dos serviços àqueles.
No tocante ao público atendido, em sua maioria, é formado por adultos, de classe média alta e com formação em nível superior. Além de turistas maranhenses da região sul do estado e da capital, a demanda é proveniente das regiões norte, em particular dos estados do Pará e Tocantins, e dos estados das regiões sul e sudeste.
“De 26 a 70 anos, região sudeste, classe média e alta”. (A1)
“De 20 a 60 anos, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e da Região Sul”. (A3)
“De 18 a 60 anos. A região mais atendida é o Pará, classe média.” (A16)
De 35 a 65 anos. De São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Tocantins, de classe média alta”. (A28)
Em se tratando de questões relacionadas à faixa etária e à renda dos turistas, os resultados obtidos se assemelham a outras investigações, quais sejam: na pesquisa intitulada “A Importância da Caracterização dos Visitantes nas Ações de Ecoturismo e Educação Ambiental do Parque Nacional da Serra do Cipó/MG” (Campos et al. 2011) e na pesquisa intitulada “Mercado e perfil do ecoturista de Diamantina (MG): um estudo introdutório” (Vieira et al., 2014).
A partir das respostas sobre o entendimento dos agentes em relação ao ecoturismo, elaborou-se a nuvem de palavras a seguir:
Figura 5:
Nuvem de palavras construída a partir dos relatos dos agentes de turismo.
Fonte: https://wordart.com/. Dados da pesquisa (2021)
Os termos compilados, a partir das respostas dos agentes, em menor ou maior grau, remetem aos conceitos de ecoturismo. De acordo com o Ministério do Turismo “[...] o ecoturismo pode ser entendido como as atividades turísticas baseadas na relação sustentável com a natureza e as comunidades receptoras, comprometidas com a conservação, a educação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico (Brasil, 2010, p.21).
Ademais, conforme a Política Nacional de Ecoturismo, trata-se de um “Segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações” (Brasil, 1994, p.19).
Sendo assim, percebe-se que o conceito de ecoturismo mantém relação com a preocupação do mínimo impacto ao desenvolver suas atividades nos horizontes da sustentabilidade.
Estes princípios, de acordo com Ceballos-Lascuráin (1996), estariam ligados aos seguintes aspectos: promover o estímulo acerca da ética ambiental; adequar-se em uma política de não degradação dos recursos; orientar a atividade em torno do ambiente e não do homem; promover benefícios para a vida selvagem e ao ambiente onde as práticas são desenvolvidas; propiciar o encontro do praticante com o ambiente natural e elementos culturais; integrar as comunidades locais no desenvolvimento, organização e práticas das atividades. Ainda, de acordo com o autor, a satisfação dos praticantes do ecoturismo é medida em função da educação e apreciação proporcionada ao longo das atividades, fato que, pressupõe que este tal público envolvido possua uma preparação prévia acerca dos temas envolvidos na prática deste segmento.
CONCLUSÕES
Sobre as características das empresas, são relativamente novas no mercado turístico, com pequenos elencos de profissionais, todavia com tempo de experiência no turismo e no “ecoturismo”. A maioria dos agentes possuem formação em nível superior. No tocante aos segmentos de atuação das agências, de forma majoritária, os respondentes afirmaram que ecoturismo faz parte de suas atividades.
Muito embora, a concepção sobre ecoturismo dos participantes desta pesquisa se aproxime do seu conceito, notadamente, com destaque à preservação da natureza, suas práticas distanciam-se. Isso pôde ser constatado pela incompreensão de elementos basilares do ecoturismo com vistas à aplicabilidade dos seus princípios e práticas nas atividades ofertadas como sendo ecoturísticas na área de estudo delimitada.
Por fim, apesar da premissa ‘positiva’ da inserção da sustentabilidade em diversos setores da economia, o prefixo ECO, ganhou valor econômico, passando a ser valorado enquanto sinônimo de serviços e produtos com responsabilidade e preocupação ambiental, fato que nem sempre se traduz em verdade. No turismo, a simbologia deste prefixo, em muitos casos, vem sendo explorado prioritariamente por sua valoração econômica, em detrimento às suas premissas principais: a conservação, preocupação e educação ambiental. Nota-se esta sobreposição da natureza enquanto mercadoria, fato que se agrava ainda mais por meio da exclusão da história e da cultura das comunidades inseridas nesses ambientes. Como vaticina Swarbrooke (2000), as operadoras de viagens representam um fator decisivo no sistema de turismo e, por isso, devem envolver-se no desenvolvimento de formas mais sustentáveis de turismo.
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